No contexto da sociologia contemporânea uma das contribuições relevantes para pensar o espaço do ensino superior é o trabalho desenvolvido por Pierre Bourdieu e colaboradores. Ao abordarmos o ensino superior no Brasil e em Portugal, o presente projecto incorpora alguns dos conceitos desenvolvidos por essa abordagem teórica. Assim, o presente projecto procurará analisar a inserção dos sistemas de ensino superior nos dois países no interior do espaço social, ou seja, trata-se de investigar - através de diversos procedimentos - a contribuição específica do campo académico no processo de reprodução e/ou transformação do capital cultural na sua modalidade escolar e, com isso, a própria estrutura do espaço social. <p>Contudo, os efeitos da democratização relativa ocorrida no ensino superior, por um lado, bem como o aprofundamento do processo de individualização nas sociedades contemporâneas, por outro, têm colocado novas questões à sociologia do ensino superior - que a teoria bourdiniana não permite abarcar. Com efeito, o indivíduo moderno é hoje confrontado com sentimentos de insegurança decorrentes do alargamento dos espaços de opção que agora lhe são abertos. Este dilema coloca-se, também, no decurso da escolaridade. Nas sociedades contemporâneas, por efeito do alargamento generalizado da escolarização, a definição do futuro passa a construir-se no interior do sistema de ensino, expressando-se através dos percursos e das opções escolares. Estas são particularmente decisivas nos patamares mais avançados do sistema. Descobrir uma vocação traduzida numa via de ensino é tarefa exigida a todos os estudantes. Mas esse processo não é linear e esconde diferentes sentidos. Assim, este projecto procurará também entender as teias de sentidos que enformam as trajectórias dos estudantes do superior.</p><p>Por sua vez, os novos estudantes do superior inscrevem-se num quadro institucional que se alterou muito significativamente, com a crescente globalização e inserção do sistema em redes de coordenação supra-nacionais. No entanto, as transformações dos espaços académicos nacionais não podem ser compreendidas mecanicamente a partir do ponto de vista das recomendações dos organismos internacionais. Um dos desafios intelectuais que se coloca para o presente projecto é o de analisar os tipos de conflitos desencadeados pelos diferentes actores que actuam nos sistemas nacionais no processo dos usos sociais das recomendações internacionais, da sua (re) tradução e (re) apropriação. </p><p> </p><p>Três domínios principais de interesse justificam esta cooperação: a análise comparativa, a nível teórico, metodológico e empírico; uma cooperação institucional e científica específica, entre a UL e a UnB, através da criação de um Observatório de monitorização estudantil na Universidade de Brasília beneficiando da experiência do Observatório (OPEST) existente na Universidade de Lisboa; e a consolidação de uma rede académica luso-brasileira dedicada aos estudos comparativos sobre o ensino superior, com reflexos institucionais e científicos concretos, quer ao nível do avanço do conhecimento, quer ao nível da formação (através do intercâmbio de docentes e alunos dos programas de Pós-Graduação da UL e da UnB).</p><p> A justificação da análise comparativa merece uma especificação acrescida, tendo em conta o conhecimento já produzido sobre os dois sistemas de ensino superior e os desafios que ambos enfrentam actualmente.</p><p>Os sistemas de ensino superior português e brasileiro, apesar das diferenças de formação histórica, apresentam certas tendências estruturais que permitem comparações promissoras. Enfatizamos três: um acelerado processo de explosão escolar nas últimas duas décadas; um crescente processo de hierarquização social e académica das instituições e dos respectivos cursos; a concretização de uma agenda de reformas inspiradas à escala supra-nacional. </p><p>Com efeito, no caso português assiste-se a uma notável expansão do ensino superior desde finais da década de 80. Vários indicadores o atestam: o número de estudantes matriculados decuplica, de 1970 para 2001, passando de 38 355 para 390 638; a taxa real de escolarização no ensino superior sobe de 6%, em 1986, para 27% em 2003. O mesmo ocorre no caso brasileiro. A partir de meados da década de 1990, o ensino entra numa fase de crescimento. Em 2005, o sistema absorvia 4,5 milhões de alunos matriculados na graduação. No bojo das mudanças ocorridas, verificou-se a incorporação de um público mais diferenciado socialmente, um aumento expressivo de estudantes do género feminino, a entrada de alunos já integrados no mercado de trabalho, assim como a diversificação regional da oferta do ensino superior. Ora, esta expansão significou, também, um alargamento da base social de recrutamento dos estudantes desse nível de ensino, colocando novos desafios ao universo do superior - da comunicação pedagógica às práticas e ao sentido dado aos estudos, passando pelas formas de sociabilidade estudantil. </p><p>Simultaneamente, o processo de diversificação institucional do ensino superior constitui uma das tendências observáveis no plano internacional e parece estar a manifestar-se, também, no sistema português e brasileiro. Neste contexto, um conjunto de questões se coloca: como tem ocorrido o processo de diversificação institucional no plano do ensino superior nos dois países? Que tendências comuns apresentam, mas também que divergências demonstram? Como se articulam os vários subsistemas de ensino superior em cada um dos países? Como se tem processado a coexistência de instituições mais voltadas para a excelência académica - pautadas pela combinação entre ensino e pesquisa - com a emergência dos novos formatos académicos institucionais nos sistemas de ensino brasileiro e português? Como são apreciados pelos candidatos / potenciais estudantes? É possível observar um processo de hierarquização das instituições que integram o campo acadêmico em Portugal e no Brasil? Em caso afirmativo, em que critérios assentam? Qual tem sido o papel do Estado e das suas agências de fomento nos dois países nesse processo de hierarquização? </p><p> Por último, importa não esquecer que boa parte das tendências recentes observadas são inspiradas em processos políticos concertados à escala supra-nacional. No Brasil, desde 2005 tramita um projecto de Reforma do ensino superior que procura estabelecer novos parâmetros de funcionamento académico tanto para o ensino público quanto para o privado. Paralelamente, Portugal experimenta uma reforma que segue as orientações gerais do Processo de Bolonha, visando integrar o país num novo espaço comum europeu de ensino superior. Certamente, esse é um aspecto de grande interesse para uma pesquisa comparativa. O Processo de Bolonha - ainda bastante desconhecido no Brasil - terá profundas implicações para o futuro da cooperação académica que o Brasil mantém com os países da União Europeia. </p><p>Identificar, conhecer e explicar, através de uma metodologia comparativa sistemática, questões emergentes associadas a esta expansão do ensino superior português e brasileiro, assume interesse científico inegável.</p>