Objectivos:
A investigação centra-se na análise do trabalho e dos trabalhadores nos centros comerciais da Área Metropolitana do Porto. A pesquisa aborda os seguintes objectos interrelacionados: a natureza do trabalho de venda e a especificidade dos contextos profissionais a ele associados; os percursos laborais dos trabalhadores; as suas atitudes e valores face ao trabalho; as suas expectativas face ao futuro profissional; as relações entre as estratégias que accionam na vida laboral e na vida familiar. Interessa-nos apreender o carácter multidimensional das experiências laborais, sobretudo as marcadas pela precariedade, cujo impacto não se circunscreve à esfera estritamente laboral, antes abarcando outras esferas sociais.
State of the art:
O comércio em Portugal passa por profundas transformações decorrentes quer do alargamento do mercado, quer da multiplicação de ligações e fluxos entre mercados, tornada possível pelas inovações tecnológicas que revolucionaram transportes e comunicações, quer ainda decorrentes das mutações organizacionais da sociedade. Entre as referidas transformações, poder-se-á salientar a proliferação dos centros comerciais desde os inícios de 1980. Importa referir que o conceito de centro comercial teve na sua origem as primeiras unidades ligadas às estações inglesas de caminho de ferro. Todavia, o seu maior desenvolvimento deu-se nos EUA, sob a forma de conjuntos de lojas ligadas a grandes armazéns, situadas nas periferias urbanas e servidas por comunicações rodoviárias que apresentavam grandes facilidades ao nível de escoamento do tráfego. <br />Para a presente investigação, revelam-se de crucial importância as tendências laborais que ocorrem no comércio retalhista (Cachinho, 1999), sobretudo aquelas que operam nos centros comerciais. Aí encontramos uma forte combinação de fenómenos como a feminização, a precarização e a externalização (Salgueiro, 2002), cujos efeitos se revestem de consequências sócio-económicas de grande amplitude e complexidade. Verifica-se aí a existência de: mais mulheres a trabalhar, o que representa uma redução de custos salariais para os empregadores; um acréscimo da precarização mediante renovações ilegais de contratos a termo certo e difusão do trabalho a tempo parcial feminino; e um aumento do número de empresas de serviços de merchandising e de empresas de trabalho temporário. <br />Neste âmbito, o reconhecimento da multidimensionalidade da precariedade laboral (Paugam, 2000; Sennett, 1998) assume-se como decisivo para mapear as configurações relacionais das esferas laboral e sócio-familiar daqueles que a vivenciam. Com efeito, pesquisas sociológicas nacionais (Cruz, 2003; Cerdeira, 2001; Pais, 2001; Rosa, 2000; Rebelo, 2001) trazem à luz esta problemática, radiografando as suas dimensões e as suas consequências. Muito embora enveredem por percursos teórico-metodológicos distintos, confluem no reconhecimento de que os efeitos da precariedade laboral não se cisrcuncrevem à esfera estritamente laboral (natureza do contrato de trabalho, condições de trabalho, etc), atingindo outras esferas da vida sócio-familiar dos trabalhadores precários. Com o intuito de esboçar um perfil do trabalhador precário, Rebelo (2001) define ?cinco grupos de exclusão por via da precariedade?: mulheres, jovens, idosos, os ?pouco? qualificados e os actuais licenciados. Alguns destes constituem objectos analíticos já assinalados, por exemplo, no estudo intensivo de Pais (2001) sobre o percurso biográfico de jovens precários, e na investigação extensiva do Inofor (1999) sobre a educação e o emprego dos diplomados do ensino superior. <br />Urge conferir visibilidade (Kóvacs, 2002) às situações laborais dos indivíduos, evidenciando o seu duplo condicionamento, quer por traços estruturais que persistem e que explicam a maior ou menor vulnerabilidade daqueles, quer pelas dimensões intrínsecas aos seus percursos sócio-familiares e profissionais.