Goa em Exposição: Histórias, Imagens e Identidades (1850-1950)

Goa em Exposição: Histórias, Imagens e Identidades (1850-1950)

Ao longo da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século XX, a colónia portuguesa de Goa foi identificada enquanto um lugar histórico, artístico e arqueológico com um carácter único, distinto do da Índia Britânica. Esta diferença em relação à "outra" Índia, a principal colónia Britânica, era estabelecida sobretudo através da religião, mas tinha muitas outras implicações num contexto cultural mais alargado. A identidade de Goa, localizada entre o discurso de um passado glorioso e a percepção de uma decadência contemporânea, foi apresentada, negociada e ensaiada através de uma multiplicidade de construções escritas, visuais e materiais. Pensar sobre Goa significava necessariamente reflectir sobre o seu passado e, assim, a história converteu-se num instrumento imprescindível para estabilizar as suas identidades: através da escrita histórica; da publicação de fontes; de práticas de coleccionismo que podiam ir da numismática às antiguidades; da constituição de museus, arquivos e bibliotecas que, de alguma forma, preservavam os resquícios materiais daquilo que Goa tinha sido; das escavações de sítios arqueológicos onde as ruínas de templos hindus se podiam converter em objectos históricos ao lado das ruínas de igrejas católicas, em vez de serem meros sinais ameaçadores de uma Goa não-cristã; através dos múltiplos artigos de jornal a apelar para a necessidade de preservar, estudar, salvar, estabelecer comissões de protecção ao património. Enfim, os vários modos de criar uma consciência do passado de Goa.

Estas práticas ou projectos - experiências e iniciativas levadas a cabo ou meros sonhos que, no entanto, revelavam ideias e intenções - contribuíram para estabelecer uma espécie de canon de temas e imagens visuais de Goa. A fotografia - com as suas possibilidades de reprodução em postais e em periódicos - assumiu um papel relevante nesta projecção de uma identidade visual goesa, sobretudo através do trabalho dos fotógrafos Souza & Paul, os principais fotógrafos locais. As igrejas de Velha Goa, o corpo de S. Francisco Xavier, ou o Arco de Vasco da Gama, tornaram-se as provas visuais de uma Goa católica e portuguesa que assim reforçava a sua diferença em relação à outra Índia.

No entanto, muitas vezes, as reflexões sobre o passado eram acompanhadas de reflexões sobre o presente e mesmo sobre o futuro. No caso goês isto torna-se óbvio com os vários exemplos de exposições locais de natureza industrial, agrícola e artística que tiveram lugar logo no século XIX. O projecto centrar-se-á em dois tipos de exposições: em primeiro lugar, nas representações de Goa em exposições portuguesas ou europeias, de cariz nacional, internacional ou colonial. Enquanto na maior parte dos casos Goa surge com parte do império português, um lugar que era identificado através de diferentes imagens, objectos e discursos; noutros casos, é apenas um aspecto de uma identidade goesa que está a ser forjado, como é o caso da "arte indo-portuguesa". A sua invenção em finais do século XIX, enquanto uma forma de hibridismo cultural e a principal contribuição portuguesa para a história da arte universal, estava imbuída de outros significados. O grupo de historiadores da arte que, nos anos 1940 e 1950, descobriu a arte e arquitectura goesa como uma prova significativa da influência portuguesa no mundo, tanto como uma prova do carácter único do império português, será um dos estudos de caso que me permitirá abordar os usos ideológicos e políticos da arte "indo-portuguesa".

Em segundo lugar, explorarei o fenómeno cultural das exposições organizadas em Goa, e isto implica necessariamente desafiar algumas das ideias pré-estabelecidas que tendem a pensar a metrópole enquanto o centro de onde provêm as iniciativas culturais e políticas em relação às colónias. Analisar a "agência" local, ou seja as iniciativas dos próprios goeses, tanto na organização de exposições em Goa, como na constituição das colecções de materiais e objectos que representariam Goa em exposições a ter lugar em Portugal ou noutros países da Europa, será uma parte significativa da minha investigação. A produção de conhecimento, escrito, material ou visual, por parte de goeses, leva-nos necessariamente a questionar uma perspectiva metropolitana da construção do conhecimento colonial para, em vez disso, privilegiar a produção de conhecimento no contexto local.

Estatuto: 
Entidade participante
Financiado: 
Não
Keywords: 

Índia colonial, Produção de Conhecimento, Cultura Visual, Exposições.

Ao longo da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século XX, a colónia portuguesa de Goa foi identificada enquanto um lugar histórico, artístico e arqueológico com um carácter único, distinto do da Índia Britânica. Esta diferença em relação à "outra" Índia, a principal colónia Britânica, era estabelecida sobretudo através da religião, mas tinha muitas outras implicações num contexto cultural mais alargado. A identidade de Goa, localizada entre o discurso de um passado glorioso e a percepção de uma decadência contemporânea, foi apresentada, negociada e ensaiada através de uma multiplicidade de construções escritas, visuais e materiais. Pensar sobre Goa significava necessariamente reflectir sobre o seu passado e, assim, a história converteu-se num instrumento imprescindível para estabilizar as suas identidades: através da escrita histórica; da publicação de fontes; de práticas de coleccionismo que podiam ir da numismática às antiguidades; da constituição de museus, arquivos e bibliotecas que, de alguma forma, preservavam os resquícios materiais daquilo que Goa tinha sido; das escavações de sítios arqueológicos onde as ruínas de templos hindus se podiam converter em objectos históricos ao lado das ruínas de igrejas católicas, em vez de serem meros sinais ameaçadores de uma Goa não-cristã; através dos múltiplos artigos de jornal a apelar para a necessidade de preservar, estudar, salvar, estabelecer comissões de protecção ao património. Enfim, os vários modos de criar uma consciência do passado de Goa.

Estas práticas ou projectos - experiências e iniciativas levadas a cabo ou meros sonhos que, no entanto, revelavam ideias e intenções - contribuíram para estabelecer uma espécie de canon de temas e imagens visuais de Goa. A fotografia - com as suas possibilidades de reprodução em postais e em periódicos - assumiu um papel relevante nesta projecção de uma identidade visual goesa, sobretudo através do trabalho dos fotógrafos Souza & Paul, os principais fotógrafos locais. As igrejas de Velha Goa, o corpo de S. Francisco Xavier, ou o Arco de Vasco da Gama, tornaram-se as provas visuais de uma Goa católica e portuguesa que assim reforçava a sua diferença em relação à outra Índia.

No entanto, muitas vezes, as reflexões sobre o passado eram acompanhadas de reflexões sobre o presente e mesmo sobre o futuro. No caso goês isto torna-se óbvio com os vários exemplos de exposições locais de natureza industrial, agrícola e artística que tiveram lugar logo no século XIX. O projecto centrar-se-á em dois tipos de exposições: em primeiro lugar, nas representações de Goa em exposições portuguesas ou europeias, de cariz nacional, internacional ou colonial. Enquanto na maior parte dos casos Goa surge com parte do império português, um lugar que era identificado através de diferentes imagens, objectos e discursos; noutros casos, é apenas um aspecto de uma identidade goesa que está a ser forjado, como é o caso da "arte indo-portuguesa". A sua invenção em finais do século XIX, enquanto uma forma de hibridismo cultural e a principal contribuição portuguesa para a história da arte universal, estava imbuída de outros significados. O grupo de historiadores da arte que, nos anos 1940 e 1950, descobriu a arte e arquitectura goesa como uma prova significativa da influência portuguesa no mundo, tanto como uma prova do carácter único do império português, será um dos estudos de caso que me permitirá abordar os usos ideológicos e políticos da arte "indo-portuguesa".

Em segundo lugar, explorarei o fenómeno cultural das exposições organizadas em Goa, e isto implica necessariamente desafiar algumas das ideias pré-estabelecidas que tendem a pensar a metrópole enquanto o centro de onde provêm as iniciativas culturais e políticas em relação às colónias. Analisar a "agência" local, ou seja as iniciativas dos próprios goeses, tanto na organização de exposições em Goa, como na constituição das colecções de materiais e objectos que representariam Goa em exposições a ter lugar em Portugal ou noutros países da Europa, será uma parte significativa da minha investigação. A produção de conhecimento, escrito, material ou visual, por parte de goeses, leva-nos necessariamente a questionar uma perspectiva metropolitana da construção do conhecimento colonial para, em vez disso, privilegiar a produção de conhecimento no contexto local.

Objectivos: 
a) Colocar a "Índia Portuguesa" num mapa mais alargado da Índia, o que significa um afastamento de uma abordagem feita a partir da metrópole; sublinhar a iniciativa local e o papel dos goeses na criação de uma identidade cultural goesa; privilegiar as relações de Goa com a Índia Britânica e com o resto do mundo, numa abordagem transcolonial e transnacional. <p>b) Questionar as percepções historiográficas da decadência oitocentista goesa que levaram a uma ausência de estudos sobre este período.</p><p>c) Abordar as "colónias portuguesas da Índia" através das discussões que têm tido lugar nas últimas décadas no interior da historiografia sobre a Índia colonial britânica no século XIX, e no contexto daquilo que tem sido denominado de "estudos pós-coloniais". Explorar os modos como o caso de Goa pode problematizar e enriquecer muitas das discussões históricas sobre as relações dos indianos com o conhecimento e a cultura europeia no contexto da Índia Britânica.</p><p>d) Questionar as abordagens que tendem a dividir o estudo dos documentos materiais, escritos ou visuais por diferentes ciências sociais e humanas para, em vez disso, procurar ter uma visão globalizante das diferentes formas através das quais Goa estava a ser definida durante este período.</p><p>e) Analisar os usos ideológicos da cultura no contexto do colonialismo português </p>
State of the art: 
a)Within Portuguese or international historiography, to study Goa tends to mean studying the 16th, 17th and 18th centuries, the period when the colony was considered to be a significant part of &quot;Portuguese history&quot;. The perception of its 19th century decadence, along with the importance given to &quot;Portuguese Africa&quot; within this period has corresponded to a lack of work, in stark contrast to the vast bibliography for previous centuries. This becomes more evident when compared to the international historiography on colonial &quot;British India&quot; where the 19th century is, in historiographical and colonial terms, what the 16th and 17th centuries had been for the Portuguese. Despite recent proclamations within colonial studies on India of the need to go beyond British India, this has tended to mean establishing comparisons and connections with other British colonies, and not moving into other colonial empires, such as the Portuguese or the French. Therefore, &quot;Portuguese India&quot; is almost a non-existing subject among the very rich and prolific, but also very self-centred, Anglo-Saxon historiography on colonial British India that is published mostly in the UK, the US and India. Inscribing &quot;Portuguese India&quot; within the studies in this wider colonial India in the 19th century could become a future line of research. The belief in the need of placing the Portuguese colonial experience in India within the wider discussions of 19th century colonialism; as much as the need to think of the 19th century as the moment when many of the historiographical ideas, texts, canons concerning the Portuguese empire of Asia were created is, therefore, a major concern of this project. <p>b) By placing the metropolitan-colonial approach as one of the multiple ways of putting Goa in a wider, global context, Portugal ceases to exist as the major centre from where the colony is perceived. Instead one of the aims of this project is to explore the relationship with British India, mainly within the second half of the 19th century, something that has not been a characteristic of the historiography on &quot;Portuguese India&quot; nor of &quot;British India&quot;. From the ways in which sometimes the British India could be seen the a site of modernity and progress, an example for what Goa might be; to the ways in which British men and women linked to India in different ways could look at Goa as a laboratory of colonial politics and practices from which British India could take some lessons of what to do or what not to do. </p><p>c) To place Goa within a wider map, where concepts of mobility, circulation, comparison, cosmopolitanism and cross-cultural experiences become central tools of analysis will also mean moving away from the metropolitan centred approach to the colonial space that, for a long time, has characterised the majority of historiographical research. Recent approaches, however, have already questioned this tendency: from anthropological writings that privilege local agency, while being more aware of ideological constructions and cross-cultural experiences; to innovative historiographical works that address the first centuries of the Portuguese colonial experience in India with new and critical insights of the field of study. The history of the Portuguese empire as, on the whole, the studies of empires and colonialism, have recently benefited from a growing interest from a wide array of disciplines and approaches. As more scholars are thinking of colonial experiences and places as part of their wider interests, the field has been necessarily challenged with different perspectives.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </p><p>d) Post-colonial theories, among which Edward W. Said's study on Orientalism, in 1978, was a pioneer, have been determinant in challenging the more acritical and ideological charged approaches to the European colonial experience. &quot;British India&quot; has been a major subject within the vast international field of post-colonial studies, dominated by an Anglo-Saxon historiographical tradition and therefore, the British experience in India has tended to dominate the main problems, arguments and discussions. To write on Goa, more than 30 years after these discussions began, necessarily means to place the Portuguese colonial experience in India within them: from the link between forms of colonial power and colonial knowledge; concepts of subalternity or the role of &quot;native informants&quot; and collaborators. </p><p>In fact, a specific subject that comes across many books on British India is that of the uses of Western ideas and culture by Indian elites in the 19th century. Among the many lines of research some studies consider the ways in which European practices, theories, disciplines of knowledge or techniques were appropriated locally, sometimes even to fight the imposition of colonialism, by contributing to proto-nationalist positions. The case of the Goan 19th century elites necessarily problematizes these repeated dichotomies between European knowledge and Indian knowledge. With a long history behind - of acculturation, conversion, inter-cultural relationships, but also of violence and impositions - for the Goan elites of this period European culture was not something outside them, something that could be appropriated. Simply because it was, by then, part of their experience, culture and identity, even if very often this could be problematic and in constant negotiation and redefinition, as different groups within Goan society, and even different elites, had different experiences.&nbsp;&nbsp; </p><p>e) Control over representations and discourses within a colonial context was not merely the realm of the coloniser but a more complex process where locals, or colonised, could also have a role, voice or agency. If finding the voices of the colonised, even of those who were privileged and had access to writing and to other productions of knowledge has been, no doubt, a major line of work within recent bibliography, Goa's case has not been sufficiently explored. This absence becomes more striking when we consider the second half of the 19th century when a very significant number of Goans, mostly men, were particularly active in cultural and historical terms, writing, collecting, publishing journals, and creating public spaces for the preservation or exhibition of different manifestations of Goan culture. </p>
Parceria: 
Não Integrado
Coordenador ICS 
Referência externa 
PROJ112/2009
Data Inicio: 
01/07/2009
Data Fim: 
01/06/2014
Duração: 
59 meses
Concluído