Mulheres nas Esquadras: crimes de violência e relações de género

Mulheres nas Esquadras: crimes de violência e relações de género

Este projecto visa analisar o quadro institucional português, as políticas e clima de atendimento a mulheres nas esquadras de polícia, a partir de crimes de violência a elas dirigidos e perspectivando relações sociais de género pautadas por assimetrias. Para tal, a metodologia central baseia-se, ainda que não exclusivamente, na produção de etnografias em esquadras de cidades portuguesas. Será feito um levantamento das políticas e leis, recursos, investimentos, distribuição de serviços, organização de espaços e papel desempenhado pelos agentes policiais, em particular pelas mulheres na polícia, na resposta a tais crimes. Várias questões se levantam: Será que a denúncia dos crimes contra mulheres apela para dinâmicas de mudança cultural numa organização policial que se mantém maioritariamente masculina e que parece advogar um ethos masculinizante? Será que se deram mudanças prévias que favoreceram o enquadramento de resposta e entendimento policial relativo a este tipo de crimes? Existirá alguma relação entre a maior presença e acção de mulheres profissionais de polícia e uma maior sensibilidade institucional para "crimes de género"? Qual o nível de investimento simbólico e material para a resolução de problemas que ora evocam direitos fundamentais das mulheres ora as anunciam como cidadãos comuns aos olhos da universalidade da lei? É central analisar os conceitos em uso para este tipo de crimes, as ambiguidades de entendimentos institucionais impressos na acção dos polícias e a relação entre estes aspectos e a produção de ideias sobre identidades profissionais, de género, morais e éticas profissionais - as imagens do que é e deve ser o sujeito policial. Definidores de género, etnicidade, classe social, status profissional e de residência marcam presença indelével nas respostas dadas a este tipo de crime numa "burocracia de rua" como é a Polícia. Torna-se assim pertinente indagar que ideias de "pessoa" - no papel de agente de polícia ou no papel de vítima - se encontram em jogo. Teoricamente, os crimes contra as mulheres levantam problemas ainda mais amplos, entre os quais o debate entre a visão positiva da igualdade dos cidadãos no acesso à justiça e a visão negativa da "judicialização" da sociedade, das relações familiares e da vida privada, isto é, do Estado como "tecnologia de poder" (e, também, como possível agente de "dupla vitimação"). É fundamental integrar os polícias nesta discussão, como actores centrais que são nos processos contemporâneos de produção de ordens sociais e morais, figurando entre estas ideias sobre género, família, violência, crime, direitos/igualdade. A pesquisa terá três fases: Uma aprofundada análise documental e o estabelecimento de um quadro de análise da problemática; a abordagem etnográfica; e o lançamento de um questionário no seio da força policial.

Estatuto: 
Entidade proponente
Financiado: 
No
Entidades: 
Fundação para a Ciência e Tecnologia
Keywords: 

Polícia e Mulheres; Crimes contra Mulheres; Práticas e Representações de Género; Etnografia

Este projecto visa analisar o quadro institucional português, as políticas e clima de atendimento a mulheres nas esquadras de polícia, a partir de crimes de violência a elas dirigidos e perspectivando relações sociais de género pautadas por assimetrias. Para tal, a metodologia central baseia-se, ainda que não exclusivamente, na produção de etnografias em esquadras de cidades portuguesas. Será feito um levantamento das políticas e leis, recursos, investimentos, distribuição de serviços, organização de espaços e papel desempenhado pelos agentes policiais, em particular pelas mulheres na polícia, na resposta a tais crimes. Várias questões se levantam: Será que a denúncia dos crimes contra mulheres apela para dinâmicas de mudança cultural numa organização policial que se mantém maioritariamente masculina e que parece advogar um ethos masculinizante? Será que se deram mudanças prévias que favoreceram o enquadramento de resposta e entendimento policial relativo a este tipo de crimes? Existirá alguma relação entre a maior presença e acção de mulheres profissionais de polícia e uma maior sensibilidade institucional para "crimes de género"? Qual o nível de investimento simbólico e material para a resolução de problemas que ora evocam direitos fundamentais das mulheres ora as anunciam como cidadãos comuns aos olhos da universalidade da lei? É central analisar os conceitos em uso para este tipo de crimes, as ambiguidades de entendimentos institucionais impressos na acção dos polícias e a relação entre estes aspectos e a produção de ideias sobre identidades profissionais, de género, morais e éticas profissionais - as imagens do que é e deve ser o sujeito policial. Definidores de género, etnicidade, classe social, status profissional e de residência marcam presença indelével nas respostas dadas a este tipo de crime numa "burocracia de rua" como é a Polícia. Torna-se assim pertinente indagar que ideias de "pessoa" - no papel de agente de polícia ou no papel de vítima - se encontram em jogo. Teoricamente, os crimes contra as mulheres levantam problemas ainda mais amplos, entre os quais o debate entre a visão positiva da igualdade dos cidadãos no acesso à justiça e a visão negativa da "judicialização" da sociedade, das relações familiares e da vida privada, isto é, do Estado como "tecnologia de poder" (e, também, como possível agente de "dupla vitimação"). É fundamental integrar os polícias nesta discussão, como actores centrais que são nos processos contemporâneos de produção de ordens sociais e morais, figurando entre estas ideias sobre género, família, violência, crime, direitos/igualdade. A pesquisa terá três fases: Uma aprofundada análise documental e o estabelecimento de um quadro de análise da problemática; a abordagem etnográfica; e o lançamento de um questionário no seio da força policial.

Objectivos: 
<p>No final do projecto esperamos organizar um seminário internacional e interdisciplinar onde se discutirão conceitos como autoridade, poder, violência, experiêcias de vitimação e estatuto da vítima de crime. </p><p>Nesse âmbito serão apresentados os principais resultados empíricos e será colocada em debate a visão teórica do projecto. Visamos interpretar, de modo qualitativo e por intermédio de um survey quantitativo, as tendências culturais do tratamento policial dado à vítima de crime em Portugal (sendo os sentimentos mais manifestos pelos polícias os que se associam à punição, impotência, indiferença e reparação) e assinalar e interpretar as principais condicionantes morais associadas ao género nestes contextos. </p><p>Um dos aspectos a destacar deste projecto é a intensa colaboração entre o ICS-UL e o Instituto Superior de Ciênciais Policiais e Criminais da Polícia de Segurança Pública, quer por intermédio da congregação de investigadores de ambas as instituições quer pela forma como ambos se propõem colaborar na organização de eventos científicos internacionais e publicações em parceria.</p><p>Entre os indicadores materiais espera-se a publicação de um livro, vários capítulos de livros e, sobretudo, artigos em revistas de reconhecido mérito quer em contexto nacional quer internacional.</p>
State of the art: 
The Police, as an institution, have been characterised as one of the most fundamental examples of &quot;street-level bureaucracy&quot; (Lipsky 1980). And Police Forces of the world have been described by social scientists as organisations that have and produce their own objective and subjective policies. The cultural construct of ideal bureaucracy was first designed by Weber (1958): a strict hierarchical system, governed by rules, characterised by specialisation and impersonality, and administered by officials in different roles, loyal to the system rather than to persons. To a certain extent, it may exist today; but as an analytical model that has been questioned in recent years. Even in the case where bureaucrats are challenged for not understanding and taking into account individuals' everyday living situations, Albrow points out that &quot;rigid, inflexible, cold behaviour is just as emotional as warm and loving responses&quot; (1997: 120). This is a good starting point for the study of police responses to violence against women. <p>Policemen swing between a world full of political and legal normativeness, bureaucratic technicalities and one with a wide range of discretion (Manning and Van Maanen 1978, Reiner 1985, Dur&atilde;o 2008). However, the liaison, articulations and relations between local politics and policy-making processes have hardly been explored and interpreted, at least at an ethnographic level, which is one of the aims of this project. Some anthropological conceptualisations are useful here. Anthropologists have identified the popular stereotype of the bureaucrat as a rigid, inflexible, boring person (Herzfeld 1992: 71). Nevertheless, empirical studies inside Police Forces show that some of the police clientele demand different roles from these street-level bureaucrats, such as social and psychological support, moral commitments and solidarity. They also require identification with their problems and life styles, not only for the resoltution of conflicts but for the restitution of justice (Cumming, Cumming and Edell 1973, Dur&atilde;o 2008); even if this is without questioning the asymmetries of power involved in these interpersonal relations.</p><p>Gender violence and the attendance on women in precincts are at the core of the changing representations and practices of policing. In some countries, such as Portugal, this kind of crime demands special programmes (like &quot;proximity policing&quot;) inside traditional precincts. In others, Brazil for example, they develop special units for victimised women, a process historically generated by a wider social debate about gender inequalities and violence (Debert et al. 2006). Brazilian cases, intensely studied from an ethnographic perspective (for example, Brand&atilde;o 1999, Muniz, 1999, Soares, 1999), are good for a cross-cultural comparison with Portuguese and other European contexts. Contextual and situated based comparisons allow us to reflect on the political and organisational tensions between particular demands and universal responses, as well as the theorisation of the debate between the egalitarian access to the judicial system and the State as a &quot;technology of power&quot; (Donzelot 1977, Fonseca 2006). At another level, also pertinent to this study, it has been shown, in various national and postnational bureaucracies, how politicians and bureaucrats may present projects and programmes whilst keeping the culturally intimate hidden from view. In other words, not revealing aspects of cultural identity that might be considered a source of external embarrassment, but making visible those in which the State takes some pride (Herzfeld 1997, Thedeval 2006). On this point, it is important to understand the effect of social movements that confront State institutions with the necessity of transformation. In Portugal, the victimisation processes and representations have concentrated the main research resources on social sciences (Louren&ccedil;o et al. 1997). The institutional role of the police in this matter is still very much unknown. The sociological literature has shown that there is a &quot;canteen culture&quot; inside police organisations (McLaughlin &amp; Muncie (1996). &quot;Domestic violence&quot; is one of the most ambiguous fields of law enforcement. Policemen feel uneasy with victims and tend to judge that the women's behaviour is responsible for their remaining victims, especially in poor contexts. Generally, they prefer not to enter such a crime scene, saying it will never be resolved; in contrast with drug control (Dur&atilde;o, 2008). With an anthropologically and sociologically theoretical framework in mind, we can ask what model of State and policing intervention is in question in Portugal concerning gender violence, and what are the main understandings and social representations in process. </p><p>&nbsp;</p><p>Bibliography:</p><p>Albrow, M., 1997, Do Organizations Have Feelings?, London, Routledge.</p><p>Brand&atilde;o, E., 1999, &quot;Viol&ecirc;ncia Conjugal e o Recurso Feminino &agrave; Pol&iacute;cia&quot;, in Bruschini, C. and&nbsp; H. Hollanda, Horizontes Plurais, S&atilde;o Paulo, Funda&ccedil;&atilde;o Carlos Chagas/ Editora 34.</p><p>Cumming, E.; Cumming, I. &amp; L. Edell, 1973 (1965), &quot;The Policeman as Philosopher, Guide and Friend&quot;, in Niederhoffer, Arthur &amp; Blumberg, Abraham, The Ambivalent Force, San Francisco, Rinehart Press.</p><p>Debert, G. G., M. F. Gregory and A. Piscitelli (ed.), 2006, G&eacute;nero e Distribui&ccedil;&atilde;o da Justi&ccedil;a: As delegacias de defesa da mulher e a constru&ccedil;&atilde;o das diferen&ccedil;as, Pagu/ N&uacute;cleo de Estudos de G&eacute;nero, Unicamp.</p><p>Donzelot, J., 1977, A Pol&iacute;cia das Fam&iacute;lias, Rio de Janeiro, Graal.</p><p>Dur&atilde;o, S., 2008, Patrulha e Proximidade. Uma Etnografia da Pol&iacute;cia em Lisboa, Lisbon, Almedina.</p><p>Fonseca, C., 2006, &quot;Reflex&otilde;es Inspiradas no Projecto &quot;G&eacute;nero e cidadania, toler&acirc;ncia e distribui&ccedil;&atilde;o da justi&ccedil;a&quot;, in G. G. Debert et al. (ed.), 2006, G&eacute;nero e Distribui&ccedil;&atilde;o da Justi&ccedil;a: As delegacias de defesa da mulher e a constru&ccedil;&atilde;o das diferen&ccedil;as, Pagu/ N&uacute;cleo de Estudos de G&eacute;nero, Unicamp.</p><p>Herzfeld, M., 1992, The Social Production of Indifference. Exploring the Symbolic Roots of Western Bureaucracy, New York, Oxford, Berg Publishers. </p><p>-----, 1997, Cultural Intimacy. Social Poetics in the Nation-State, London, Routledge.</p><p>Lipsky, M., 1980, Street-Level Bureaucracy. Dilemmas of the Individual in Public Services, New York, Russel Sage Foundation.</p><p>Louren&ccedil;o, N. &amp; M. Lisboa and&nbsp; E. Pais, 1997, Viol&ecirc;ncia Contra as Mulheres, Lisbon, Comiss&atilde;o para a Igualdade das Mulheres.</p><p>Manning, P. K. &amp; J. Van Maanen (eds), 1978, Policing. A View from the Street, New York, Random House.</p><p>McLaughlin, Eugene &amp; Muncie, John, 1996, Controlling Crime, London, Sage Publications.</p><p>Muniz, J., 1999, &quot;Os Direitos dos Outros e Outros Direitos: Um estudo sobre a negocia&ccedil;&atilde;o de conflitos nas DEAMs&quot;, in L. E. Soares et al., Viol&ecirc;ncia e Pol&iacute;tica no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Relume Dumar&aacute;/ISER. </p><p>Reiner, R., 1985, The Politics of the Police, Sussex, Wheatsheaf Books &amp; Harvest Press.</p><p>Soares, B., 1999, &quot;Delegacia de Atendimento &agrave; Mulher: Quest&atilde;o de g&eacute;nero, n&uacute;mero e grau&quot;, in L. E. Soares et al., Viol&ecirc;ncia e Pol&iacute;tica no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Relume Dumar&aacute;/ISER. </p><p>Thedeval, R., 2006, Eurocrats at Work. Negotiating Transparency in a Postnational Employment Policy, Stockholm Studies in Social Anthropology, 58.</p><p>Weber, M., 1958, From Max Weber. Essays in Sociology, New York, Oxford University Press.</p>
Parceria: 
Não Integrado
Flávio Alves
Paulo Valente Gomes
Manuel Guedes Monteiro Valente
Marta Miguel
Coordenador 
Data Inicio: 
01/09/2009
Data Fim: 
01/09/2011
Duração: 
24 meses
Concluído