A impugnação do modelo de democracia liberal-constitucional ganhou um novo momentum com a crise do subprime. Num contexto em que a democracia do pós-guerra gravitava vazia de concorrência ideológica à altura e mergulhava numa reflexão introspectiva da(s) sua(s) qualidade(s), o mercado, que ajudara a sua consolidação e projeção à escala mundial, propagava-se liberto de controlos e de responsabilidades. Parafraseando Daniel Bell, a escala da democracia, territorialmente circunscrita, tornou-se demasiado pequena para gerir os efeitos da globalização e o mercado tornou-se demasiado poderoso para se render às exigências da política, sejam elas de natureza redistributiva ou regulatória. Nesta obra, Yves Mény percorre com os leitores as insuficiências do modelo de democracia liberal-constitucional do pós-guerra, escalpelizando o «canto das sereias» dos populismos em marcha. A «verdadeira» democracia que os adversários dos sistemas em vigor preconizam, para bem do povo que dizem ter sido abandonado e sistematicamente abusado pelas elites de poder, na realidade nunca existiu. Todavia, as democracias são resilientes. Não é a primeira vez que são contestadas ou odiadas. Aquilo que é a sua maior fraqueza em momentos de crise, a quebra de confiança generalizada, é também o que estimula o seu renascimento. «As democracias», escreve o autor, «foram inventadas, modificadas, adaptadas e estão longe de terem esgotado os recursos da imaginação e da experimentação». A crise que se instalou com esta nova pandemia global, é uma oportunidade única para inovar a democracia.
Luís de Sousa (Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa)
Recensão de Henrique Monteiro "O futuro da democracia", in revista-e, Expresso de 30-05-2020.