Breve Biografia

Breve Biografia

Maria de Sousa, professora emérita da Universidade do Porto, era uma das mais brilhantes cientistas portuguesas e membro destacado do Conselho de Escola do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Doutorada em Imunologia pela Universidade de Glasgow, foi investigadora e Professora em várias Universidades do Reino Unido e dos EUA, nomeadamente no Cornell Medical College e na Faculdade de Medicina de Harvard (em Cambridge, Boston), tendo sido diretora do Laboratório de Ecologia Celular no Instituto Sloan Kettering de Investigação em Cancro, em Nova Iorque. 
Entre 1964 e 1966, esteve nos Laboratórios de Biologia Experimental em Mill Hill, em Londres, como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian. Foi em Londres que fez a descoberta que, hoje, aparece descrita em qualquer manual sobre o sistema imunitário – identificou a migração organizada dos linfócitos, as células do sistema imunitário.
Regressou a Portugal em 1984, integrando-se no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto, como professora Catedrática de Imunologia. Foi também coordenadora de investigação no Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC).
Ao longo da sua longa e profícua carreira deu um enorme contributo ao pensamento crítico sobre as melhores maneiras de fazer e de transmitir ciência. Participou nas primeiras avaliações externas e independentes aos centros de investigação portugueses, na década de 80, quando José Mariano Gago, então presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), actual FCT, a convidou para coordenar a área das ciências da saúde.
Uma mulher que ocupou posições de liderança e responsabilidade em áreas científicas tradicionalmente masculinas, foi também um exemplo pioneiro e encorajador. Teve em vida, felizmente, o reconhecimento que merecia. Quer por parte da academia, quer por parte de diferentes presidentes da República e governos. Em 2004, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior atribui-lhe o prémio "Estímulo à Excelência". A Universidade do Porto agraciou-a com o título de Professora Emérita em 2010. O Prémio Universidade de Coimbra 2011 foi-lhe outorgado pelo seu trabalho sobre o sistema imunológico e, finalmente, recebeu, em 2017, o Prémio Universidade de Lisboa. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior concedeu-lhe o Prémio Estímulo à Excelência, em 2004, e a Medalha de Ouro de Mérito Científico em 2009. Para além dos mais importantes prémios do meio ao qual pertencia, o estado português reconheceu-lhe o mérito em vários momentos. Em 2012, foi feita Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada pelo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva e, em 2016, foi elevada a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, uma das mais altas distinções por mérito literário, científico e artístico, que lhe foi entregue por ocasião do Dia Nacional da Cultura Científica, pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.
Maria de Sousa fez parte da história do ICS na última década, dando um contributo notável e constante para a estratégia de desenvolvimento do Instituto. ​Membro externo da Assembleia de Escola entre 2009 e 2013, e do Conselho de Escola do ICS, desde 2014 até à actualidade, participou também no Júri do Prémio ERICS - Estímulo e Reconhecimento da Internacionalização em Ciências Sociais desde 2012 até 2019. É uma enorme perda para todos nós e para a instituição, mas esperemos que as suas palavras sábias e pertinentes continuem presentes, como desafio e inspiração. 
Há um mês, a Luísa Schmidt entrevistou a Maria de Sousa para um inquérito que fez para o Expresso. Num email de resposta, Maria de Sousa enviou-lhe este poema que escreveu a pensar nos refugiados que tentam chegar à Europa e que aqui reproduzimos. 

Exoplanet

Light years away from Lampedusa 
Round some other sun 
Away from deadly anonymous trucks 
Dead children 
Drowned bodies crossing seas in fragile boats 
What have we made of earth  
What have we made of ourselves 
The chosen the called to perfection 
Light years away from Lampedusa 
Light years away from what we were called  
By Gods 
To be 

New York April 7 2017
Maria de Sousa

 

In Memoriam

“A chuva fértil” 

Na manhã em que a Karin e o Zé Luís me comunicaram a morte da Maria, escrevi à Karin, com uma grande tristeza: A Maria foi muito importante para nós e continuará a ser uma referência para o ICS e para a ciência em Portugal. Para nós foi uma presença ativa, estimulante, crítica, apoiante e amiga. Uma referência que iremos guardar.
Conheci a Maria de Sousa pessoalmente num encontro de cientistas portugueses que o José Mariano Gago organizou em Bruxelas, no início dos anos noventa (um encontro que daria depois origem ao livro O Estado das Ciências em Portugal). Lembro-me da forma como a Maria de Sousa entrou na sala onde estavam reunidos representantes das ciências sociais e humanas e como no período de debate nos interpelou. Não me lembro do que disse, lembro-me como o disse, o impacto que teve, e que vários de nós comentámos depois. Todos tínhamos um longo caminho a percorrer. Percebemos que era ainda mais longo. As breves palavras que então troquei com a Maria reforçaram isso mesmo.
Quase vinte anos mais tarde, havia que elaborar novos estatutos para o ICS e escolher pessoas externas ao Instituto para integrarem a nossa primeira Assembleia de Escola. Desde logo o nome da Maria de Sousa surgiu como uma opção necessária. Foi com uma enorme satisfação que o José Rolo nos comunicou que a Maria tinha aceite o convite.
Desde então não mais deixou de participar na Assembleia de Escola, acompanhou todas as mudanças institucionais, participou nos Encontros sobre a investigação no ICS, nos vários Forum e, muito importante, em reuniões para a definição do planeamento estratégico do Instituto. As suas interpelações eram certeiras. Muitas puderam ser transformadas em ação, como a internacionalização e a criação de equipas. Outras ainda não, ou ainda não suficientemente. É esse o caso dos apelos que fez ao nosso diálogo transformador com as outras ciências, nomeadamente as ciências da vida. Adotou-nos como instituição. Falava como um membro do ICS. E nós agradecemos. E adotámo-la como um membro eminente do Instituto. Lembro com saudade os pequenos sussurros ora de suporte, ora estimulantemente críticos, ora surpreendentes. E as suas intervenções altas, claras, tantas vezes desconcertantes. Não nos deixou.
Preocupava-se com as pessoas. Os investigadores eram antes de mais pessoas, e não haveria investigação sem pessoas, sem redes, sem instituições. Há muitos gestos de solidariedade pessoal quer aqui, quer nos Estados Unidos que poderiam ser contados. No plano pessoal, lembro as várias vezes que almoçámos. Conversávamos “sem agenda”, ou melhor, com a agenda da vida. Trazia quase sempre um presente, fosse um livro de poesia (sua), uma brochura com uma palestra sua sobre a arte de ser cientista, um livro sobre as políticas de ensino e investigação nos Estados Unidos…. Tinha uma empatia inesperadamente ativa. Foi um estímulo e um auxílio nos terríveis anos de 2012, quando tudo se intrincava, a vida pessoal, a instituição, o país. Foi nessa turbulência que soube que anos antes tinha tido um cancro. Uma marca indelével na vida e, no entanto, tão silenciosa.
No dia em que a Maria morreu, aqui chovia. Uma chuva suave acompanhada de uma luz maravilhosa. Depois começou a despertar mais forte. Já não salpicava a terra, regava-a ora com ternura, ora vigorosamente. E a terra agradeceu. 

Jorge Vala


 

Ouvia falar da Maria Sousa através de umas amigas da minha Mãe (uma delas a Pilar Mourão Ferreira), que aliás almoçavam juntas de vez em quando para festejar os anos umas das outras…um grupo a que então chamavam “as setentonas”, a que a Maria se juntava às vezes. Contavam-me que ela tinha uma vida muito cosmopolita de cientista, saltitando sempre entre o seu apartamento em Nova Iorque, o Porto e Lisboa. Soube de muitos casos de pessoas que foram ajudadas pela Maria em Nova Iorque, quando lhes batia a porta uma doença grave. Mas a Maria era uma personagem distante de mim.
Até que nos encontrámos. A sério, sentadas lado a lado na sala Polivalente, nas Assembleias de Escola do ICS. E lembro a sua figura física imponente: aquela farta cabeleira branca, os olhos brilhantes de luz (vinda de dentro), um corpo pesado que contrastava com a frescura jovial do tom de voz, a risada fácil, o humor perspicaz. Encantavam-me as suas intervenções, às vezes tão cortantes, frontais e demolidoras: “Mas qual é a vossa estratégia?! Não têm estratégia, é? Se eu fosse um dos vossos avaliadores…”. Dava força às mulheres naquela assembleia, empurrava-me para ali dar peso ao conselho científico.  “Faça-se ouvir, Ana!”, sussurrava-me ao início. ”Vê como agora o CC tem aqui outro peso? Que diferença, percebe (o percebe que ela tanto repetia)! ”, comentava-me numa das últimas reuniões. Sentia-o bem: a Maria gostava que eu fosse destemida, provocadora e assertiva.  Sentia também que ela se divertia pedagogicamente a desmanchar solenidades, pompas e circunstâncias. Gostava era de ouvir as pessoas, todas as pessoas. Encantava-se com novidades das nossas áreas científicas. E sorria.
Fez-me muita impressão quando soube que entrara em hemodiálise. Infelizmente, doença crónica e falência de rins é coisa que não falta no meu lado Seabra. Por isso, e quando mesmo assim aparecia no ICS, admirava-a pela coragem e determinação perante a adversidade. É muito duro depender de uma máquina para viver. É muito duro fazê-lo dia sim, dia não, através de uma fístula, durante 4 horas. A Maria não foi poupada a essa tortura, infelizmente. Nem ao corona vírus, que precipitou um desenlace fatal. 
Vou sentir a falta, Maria, e saudades. Mas, como nos deixou escrito no seu Love Poem, é nas nossas vidas que continua a viver. Espero que esteja em paz. Isto é, a fazer perguntas atrevidas que põem a pensar e a conversar deuses e demónios, santos e pecadores. A ouvi-los a todos, one by one, e a empurrá-los para duvidarem das certezas que tinham por adquiridas. Desafiando-os a que, pelo contrário, se revejam no encantamento do mundo. 
Na noite passada, trovejou muito por estas bandas. Pensei: a Maria já lá chegou.

Até qualquer dia, 

Ana Nunes de Almeida


 

Uma Vida sem Muros

É bom termos pessoas que nos sirvam de referência. Não aludo a mestres, líderes e muito menos a chefes com quem trabalhámos, a figuras cimeiras das nossas áreas disciplinares, a autores que influenciaram diretamente o que ensinamos e como ensinamos, o que investigamos e como investigamos. Aludo, sim, àqueles que, não sendo do nosso domínio científico, e estando, até, muitas vezes bem longe dos nossos interesses temáticos, projetam sobre nós uma luz serena mas que nos inquieta, uma postura firme mas que nos entusiasma, uma ambição visionária mas que não nos intimida, antes pelo contrário, nos estimula. Aqueles que, de longe e sem o saberem, mudam as nossas formas de pensar, levando-nos a rever prioridades, caminhos, até convicções. Maria de Sousa conta-se entre os poucos que atingem um patamar superior que permite que a sua luz ultrapasse em muito o universo dos que com ela trabalharam e privaram pessoalmente, ou que se dedicaram a temas afins e, por isso, leram os seus escritos, ouviram as suas conferências, seguiram as suas múltiplas intervenções.
De onde vem essa força? Certamente do gosto pelo que fazia, do empenho permanente por inovar, da determinação de que os outros fossem mais longe do que ela, da forma assertiva como comentava, do humor com que comunicava. Mas, mais do que isso, do modo como ignorava e rompia fronteiras tanto institucionalizadas, mais visíveis, como tácitas, mais subterrâneas e subtis. Fronteiras internas à ciência, que levam a contrapor e a hierarquizar artificialmente disciplinas, áreas do conhecimento e culturas científicas. E também fronteiras externas, muros que separam a academia do mundo mais vasto de que faz parte, das causas que estão muito para além da ciência mas que dela não podem prescindir, dos combates que nascem fora da academia mas que aqui encontram a fundamentação de que necessitam. Ciência e cidadania. Mas também ciência e poesia. E ciência e vida. À sua última aula deu Maria de Sousa o título “Uma escola sem muros”. Mas a ela, cientista e cidadã, colega e amiga, referência para muitos, sem que ela mesmo o soubesse ou sequer o suspeitasse, cabe-lhe um título maior: “Uma vida sem muros”. Como é bom podermos ter referências assim.

João Ferrão, 16 Abril 2020


 

14 de Abril

Ontem o dia esteve triste mas o dia correu alegre dentro de casa. Hoje o dia está alegre, todavia acordei para uma notícia triste. Morreu a bióloga Maria de Sousa. Fazia hemodiálise e ficou infectada numa das idas ao hospital. Tinha 81 anos.
Eu estava há dois ou três dias preparado para o desenlace porque segui de perto o desenrolar de tudo. Ainda assim, receava a chegada da notícia fatal. Foi esta manhã logo ao amanhecer. Triste, muito triste!
Depois do meu regresso das Correntes d'Escritas, a Maria de Sousa, ao tomar conhecimento da minha história aqui com o teste que me negaram no Departamento de Saúde do Estado de Rhode Island (quando fui informado de que o escritor Luís Sepúlveda, com quem estivera, testara positivo), telefonou-me muito preocupada. Depois, quando começaram a surgir reportagens a sobre o espalhar-se do vírus em Boston, voltou a ligar-me a recomendar-me todo o cuidado. As notícias dos EUA pioraram e ela voltou a ligar ainda mais duas vezes a recomendar-me extremo cuidado. Por sinal, numa das chamadas o motivo imediato foi outro: tinha ouvido uma entrevista minha com o Luís Caetano na Antena-2 e queria dizer-me que se riu muito com as piadas que contei, no entanto não se lembrava já bem de como era aquela do Américo Tomás menino-prodígio. 
Um dia da semana passada disse para comigo: hoje vou telefonar à Maria de Sousa. Pouco antes de o fazer, chegou-me um email da Anabela Mota Ribeiro a dizer que ela estava infectada com o Covid-19, que se encontrava no hospital e recebia oxigénio e só podia aceitar SMS's. Mandei-lhe imediatamente uma mensagem lembrando o nosso comum amigo José Rodrigues Miguéis, de quem ela gostava muito: "O JRMiguéis resistiu à morte com meia-cara e a Maria de Sousa tem de resistir com a cara inteira." (O livro de Miguéis Um homem sorri à morte  - com meia-cara é o relato da sua experiência de proximidade com a morte num hospital de Nova Iorque.)
Sei que recebeu a mensagem, mas já não respondia a ninguém. Fui sabendo dela inclusivamente através de uma amiga médica que trabalha no Curry Cabral, onde ela esteve inicialmente.
Uma grande senhora, uma grande mulher, uma grande amiga. Uma grande perda.
Conhecêmo-nos nos finais da década de 70, quando ela vivia em Nova Iorque e era amiga do José Rodrigues Miguéis. Contactos telefonónicos apenas. Em 1981, esteve aqui na Brown no colóquio que organizei sobre José Rodrigues Migués. Nesse ano, saiu o livro An Imagined World: a story of scientific discovery, de June Goodfield, que era sobre o quotidiano da cientista Anna Brito, que a escritora, historiadora e cientista inglesa acompanhara durante cinco anos. Anna Brito era pseudónimo de Maria de Sousa. Foi, por sinal, o primeiro livro da longa série que ao longo de anos enviei para o Guilherme Valente, da Gradiva, quando intensificou as edições de livros de divulgação científica. Foi logo imediatamente traduzido e publicado (1988) e resultou num êxito editorial.
Mas não me vou pôr aqui a contar mais que apetece é estar calado.

  *   *   *

Um PS – Em 1981, na revista Gávea-Brown que dirijo, dediquei ao livro de June Goodfield um dossier de 122 páginas ao livro An Imagined World, com comentários de um filósofo da ciência (orientador da minha tese de doutoramento), uma socióloga e um bioquímico, mas também com uma longa entrevista a Ana Brito (Maria de Sousa) por mim conduzida, e uma nota (auto)biográfica dela escrita por Ana Brito (a discrepância na ortografia do nome explica-se: Ana, em textos portugueses; Anna em inglês), da autoria de Vieira do Canto Maia (outro pseudónimo de Maria de Sousa), autora também de poemas em inglês incluídos nesse dossier. Anna Brito assina ainda poemas em inglês.
Como se trata de um conjunto de documentos praticamente desconhecido em Portugal, incluo aqui a ligação para esse dossier.

Onésimo Teotónio Almeida


 

Conheci a Maria de Sousa no final dos anos 1990, quando eu era bolseira do Observatório das Ciências e Tecnologias e ela coordenou um dos livros que resultaram da avaliação dos centros de investigação em Portugal, o Perfil da Investigação Cientifica em Ciências da Saúde, que combinava o relatório global do painel de avaliadores com dados estatísticos recolhidos pelo OCT. Eu não estive diretamente ligada à edição desse volume específico, mas participei (entusiasticamente) nas sessões de divulgação da coleção pelo país fora. A sessão das ciências da saúde, como não poderia deixar de ser, foi no Porto e data daí um dos nossos primeiros encontros. Nunca me esquecerei do comentário bem-humorado dela quando nos viu chegar, de malas e bagagens, caixotes de livros e um enorme backwall pop-up (uma estrutura de suporte a um cartaz desmontável): “lá vem o espetáculo dos robertos”.
Reencontrei-a mais tarde, já depois do doutoramento, quando me convidou para a 15ª edição dos Cursos Internacionais de Verão de Cascais, em 2008, com o título “Migrações: das células aos cientistas”. Na altura eu fazia investigação sobre a mobilidade internacional dos cientistas e foi uma excelente oportunidade para discutir o meu trabalho num contexto fora da academia. Também foi ela a sugerir o meu nome ao Rui Horta, para um dos debates do ciclo Sinais de fumo – conversas para além da crise no Espaço do Tempo (Convento da Saudação, em Montemor-o-Novo) em 2012. Era um debate sobre ciência, investigação e novas gerações de investigadores, com o João Magueijo e o João Sentieiro. Recordo mais a estimulante conversa durante o almoço que se seguiu que o debate em si. E que ela não se contentou com a frugalidade da sopa de tomate alentejana e quis um bife com batatas fritas.
Voltei a vê-la muitas vezes depois no ICS, como membro do Conselho de Escola. Sempre um comentário acutilante, uma observação perspicaz, um conselho avisado. Ela preocupava-se muito com a precaridade dos jovens investigadores, com as idiossincrasias do financiamento da ciência, com o papel das ciências sociais. Para o meu trabalho será sempre uma referência. Ela tinha muito orgulho na criação de um dos primeiros programas doutorais em Portugal, o GABBA Programa Graduado em Áreas da Biologia Básica e Aplicada, e ofereceu-me um livro sobre isso, que finalmente tive a oportunidade de citar num capítulo para uma coletânea sobre a história da ciência em Portugal que está no prelo.
A Maria de Sousa vai fazer muita falta à ciência portuguesa, ao ICS e também a mim.

Ana Delicado


 

Há momentos em que a tristeza se torna imensa, indizível. Pela sensação de perda que se sabe irreparável. Às vezes julgamos que não há pessoas insubstituíveis. Mas tal julgamento não se aplica a Maria de Sousa.
Nos últimos 10 anos teve connosco, no ICS, uma presença tão forte e tão marcante que não será possível ignorar ou esquecer a dádiva que nos concedeu. A sua participação nas reuniões do Conselho de Escola, ou noutras reuniões mais informais, deixou bem vincados os traços da sua personalidade como cientista e pessoa amiga. Foi a pergunta certeira que esperava resposta pronta, o comentário oportuno que colocava o dedo na ferida, o elogio contido que ajudava a perceber o que faltava fazer melhor, o alerta constante sobre a inconsequência de palavras vazias, o incómodo crítico perante declarações de intenções que sabia inexequíveis. E foi, acima de tudo, o desafio permanente a rompermos as fronteiras rígidas que separam as ciências e limitam o conhecimento.
Das muitas coisas que aprendi com Maria de Sousa, recordo especialmente a forma como ironicamente comentava o alcance singelo de feitos que julgávamos gloriosos. Por outras palavras: o reconhecimento de que a humildade científica é condição essencial do nosso trabalho académico.
Vamos mesmo sentir muito a falta da Maria.

José Luís Cardoso


 

Mulher de grande personalidade, cientista de renome envolvida em múltiplas actividades, conheci bem Maria de Sousa por intermédio do já falecido filósofo Fernando Gil que a convidou para uma das suas iniciativas internacionais, no caso «A Ciência como Cultura», de que existe um volume publicado pela Imprensa Nacional em 1992 no qual ela e eu colaborámos, bem como o antigo ministro da Ciência, o saudoso Mariano Gago. Tive também o prazer de participar com ela durante um largo período numa das comissões da Presidência da República para a atribuição das condecorações nacionais, na qual cada um de nós e os outros membros propúnhamos candidaturas e dávamos pareceres sobre os candidatos. Maria de Sousa foi sempre determinada em apoio da Ciência como cientista e imunologista notável que ela própria era, falecendo como que ironicamente da actual pandemia!

Manuel Villaverde Cabral


 

Conheci a Maria em Nova York. Eu estava perto e contactei-a para vir falar sobre migrações de células, na conferência ICS que organizámos sobre migrações de pessoas. Gostei muito dela, das suas provocações e do seu espírito vivo. Falámos muitas vezes depois dessa conferência, o que foi muito importante para mim. A energia e a teimosia da Maria far-me-ão muita falta.

Marta Rosales


 

Cientista emérita, reconhecida internacionalmente pelo seu trabalho na área da imunologia, Maria de Sousa era membro externo do Conselho de Escola do ICS desde 2009. Dizia que era do ICS, e para todos nós, investigadores e técnicos, era do ICS. Era um membro activo e exigente do Conselho de Escola, ajudou o Instituto a definir uma estratégia de internacionalização, era uma voz crítica e indomável da assembleia, estava sempre disponível para pensar estrategicamente o instituto. Mas era muito mais do que isso. Era uma defensora acérrima da ciência, de todas as áreas científicas, e da carreira de investigação, enquanto carreira autónoma e fonte insubstituível de pensamento independente e criativo. Ambicionava e lutava por uma sociedade melhor, mais esclarecida, mais informada, onde a ciência fosse um mundo aberto e acessível a todos.
Queria lideranças fortes e humanas, masculinas e femininas, e não só: queria que as lideranças soubessem pensar o futuro, soubessem mobilizar os investigadores, soubessem, sempre e em todos os momentos, ter em conta o “bottom-up”. Sabia que um centro de investigação é, acima de tudo, um colectivo feito de agendas individuais e equipas fortes, que é aí que encontra a sua força e a sua agenda estratégica. Mas também sabia que o colectivo tem de se projectar, saber o que quer ser, e lutar por esse futuro. Maria, não nos esqueceremos das tuas palavras sábias e de estímulo, das tuas perguntas e exigências, dos teus conselhos críticos. Também não nos esqueceremos que foste uma amiga fiel, dedicada, sempre presente nos momentos mais difíceis do ICS. Julgo não exagerar se disser que ao longo da última década incentivaste todos os directores e todos os presidentes do Conselho de Escola do ICS a definir estratégias, a encontrar novos caminhos e a pôr as ciências sociais no centro da ciência em Portugal. A tua memória e o teu legado farão história, mas a tua perda deixa a comunidade científica e a comunidade ICS mais pobre.
Há menos de duas semanas, pouco antes de ser internada, recebi um email de Maria de Sousa. Era sobre a situação actual da pandemia. Tinha-lhe dado conta do que se passava no ICS, do inquérito que tínhamos acabado de lançar, do que estávamos a fazer. Quis deixar-me nesse dia um curto testemunho, umas palavras sobre a pandemia. Gostaria de vos transmitir essas palavras. São em inglês (escrevia-me sempre em inglês e começava sempre, ‘dear Karin’, e terminava sempre, ‘yours Maria’). Dear Maria, thank you. Thank for everything you did for Science, for ICS, for the Social Sciences.

Words from a concerned immunologist
"I am quite concerned to hear that some politicians are comparing the pandemic to a war. Identifying a virus as the enemy. Understandably. The only occasion when politicians, great men like President Roosevelt in the US or Winston Churchill in the UK had to deal with whole world tragedies, they were world wars. A pandemic, however, is not a war. A viral pandemic is the propagation through the populations of all countries in the world of a virus, identified first in China and now present worldwide. But not a war. In a war the people invaded does not protect the people invading.   A virus is not the enemy because a virus is not an intelligent being. A virus is a small particle that to keep going needs to “feed” in material within cells. What is a cell? A body, that we all know has head, neck, arms, legs, lungs, intestines, etc. all its parts are constituted by small units called cells. Each cell has two major parts and a virus needs to enter the cell to eat from one of the cell’s components.
Thus, the virus is not the enemy. The enemy is the person that in his/her well intentioned proximity of a person infected lets the virus jump from one cell to another, at the distance of a hug.
Not a War, the transmission of a virus from a person to a person that are not respecting the 6 feet recommended by all Public Health Units
".

Karin Wall