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existentes em torno da clínica. A electro-radiologia, a física de radiações e a radiobiologia tornavam-
se por esse tempo essenciais à instalação da clínica oncológica moderna, capaz de estudar e
aperfeiçoar os métodos de diagnóstico e de terapia do cancro (Pinnel, 2002).
Em suma, até princípios do século XX encontrávamos nas universidades e nos hospitais
europeus a formação uma medicina de carácter científico, cujo modo de compreensão do corpo se
baseava num modelo de classificação racional das estruturas teciduais e fisiológicas, elaborado em
grande parte a partir das suas manifestações patológicas. O principal instrumento terapêutico, ao
nível das doenças oncológicas, era, por esse tempo, a cirurgia. Este modelo científico e terapêutico
vai ser, aos poucos, transformado com o aparecimento das tecnologias radiológicas.
Em Portugal, os estudos do cancro surgiram em torno da influência de um jovem cirurgião de
Lisboa. Desde 1911, Francisco Gentil rodeou-se de alguns cientistas e clínicos da nova geração
médica da capital para criar, no Hospital da universidade, uma das primeiras consultas de cancro do
país. Desenvolveu a partir daí um projecto hospitalar e científico que viria a constituir, a partir de
1923,
4o Instituto Português para o Estudo do Cancro (IPEC) e posteriormente o IPO. Gentil liderava o
trabalho de uma equipa dirigente composta por dois histo-fisiologistas (Mark Athias e Henrique
Parreira), um dos mais relevantes radiologistas portugueses (Bénard Guedes) e ainda um médico
responsável pela secção de estatística e propaganda (João de Magalhães). Esta era, como veremos,
uma área de actuação importante no novo instituto, cuja missão de ordem social passava também
pela sensibilização e pela captação de pacientes para o hospital oncológico de Lisboa (de resto o
único do país).
Os esforços iniciais de desenvolvimento deste projecto hospitalar em torno do cancro
passaram desde logo pela conjugação das terapias radiológicas e cirúrgicas (Guedes, 1916). Em
grande medida, era na própria radiologia que se sustentava a novidade e o valor do projecto
científico e hospitalar de Gentil. Isto porque apesar de não constituir ainda uma doença de grande
incidência nos meios urbanos, o cancro era tido como uma das que mais matava nos hospitais,
tendo-se distinguido entre 1913 e 1914 como a terceira causa de morte nos hospitais de Lisboa e
Porto (Costa, 2012). Noutros países, as estatísticas médicas do início do século revelavam uma
mortalidade por cancro em crescendo nos hospitais (Pinnel, 2002), tornando-o num dos problemas
médico-científicos mais relevantes da época
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Cf. Decreto n.º 9333, de 1923.
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É importante salientar que, do ponto de vista nosológico, o «cancro» não constitui uma patologia de
características fixas e imutáveis ao longo dos anos. Como a classificação das doenças acompanha a evolução
do conhecimento médico e das tecnologias de diagnóstico e terapia, a própria ideia de «cancro» variou de
modo muito significativo mesmo se considerarmos apenas os últimos cem anos. Deste modo não é possível,
sem incorrer numa falácia de definição, falar no cancro de um ponto de vista histórico sem estar a incluir sob
esta designação um conjunto de formas patológicas muito diversas, que ao longo do período histórico em
causa foram sendo dissociadas da nosologia cancerígena ou que têm hoje classificações médicas diferentes,
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