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2016
Introdução
O presente artigo apresenta uma leitura histórica e sociológica da formação da percepção de
«risco» em contexto biomédico. Pretende-se aqui explorar as condições institucionais em que
ocorreu esse processo, recorrendo-se para isso a uma análise do período de desenvolvimento
institucional e científico dos estudos do cancro em Portugal, durante a primeira metade do século XX.
Salienta-se o modo como o processo de expansão da oncologia portuguesa pode hoje constituir um
dos terrenos privilegiados para explorar a emergência, no campo da medicina, de novas formas de
criação e percepção do risco patológico nas suas dimensões individual e epidemiológica.
A formação dos estudos do cancro em Portugal será aqui exposta numa perspectiva analítica
histórica e sociológica, fazendo-se uso, em particular, do que é possível entrever a partir da
historiografia médica da especialidade sobre a sua cultura material, as tecnologias médicas e os
artefactos que imprimiram ao seu desenvolvimento burocrático e científico a feição de uma
instituição «moderna». Sublinha-se, nesse sentido, o modo como as práticas científicas de base
laboratorial e o uso de instrumentos clínicos de base radiológica, resultantes da tecnociência
contemporânea, resultaram num regime organizacional apoiado em instrumentos de gestão
burocrática e informática que produziram uma nova percepção epidemiológica da doença e,
consequentemente, a definição de campos de risco e de estratégias de planeamento médico,
científico e assistencial.
O objectivo deste artigo não passa tanto por analisar os vários aspectos sociológicos de uma
noção de risco, naturalmente equívoca e multifacetada, como por explorar algumas das várias
dimensões patológica, social e individual que conduzem à formação de uma forma de risco
biomédico. Na compreensão deste processo, somos levados a considerar as múltiplas escalas de
relação entre corpo e patologia nos seus contextos científicos, laboratoriais e tecnológicos.
Nesse sentido, ao abordar algumas das etapas do desenvolvimento da oncologia portuguesa,
pretendemos não mais do que alcançar a descrição de um conjunto de iniciativas burocráticas e
científicas que terão influenciado determinadas formas de percepção e de representação médica do
corpo e da doença. Realçam-se algumas das etapas desse processo de formação científica e
institucional dos estudos do cancro no país como sendo potenciadoras de fenómenos sociológicos
mais vastos (eventualmente com implicações sobre as formas de incorporação subjectiva do «risco
oncológico»), mas sobretudo salienta-se que, actuando ao nível dos mecanismos burocráticos de
individualização e massificação dos fenómenos associados à saúde e à doença próprios das
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