O duplo adiamento: As intenções reprodutivas de homens e mulheres depois dos 35 anos
O duplo adiamento: As intenções reprodutivas de homens e mulheres depois dos 35 anos
Vários países europeus chegaram ao século XXI com fecundidades baixas ou muito baixas. Alguns tiveram ligeiros aumentos durante a última década, mas Portugal registou um declínio constante: de 2000 para 2009 o ISF passou de 1.6 para 1.3, atualmente um dos mais baixos da UE. Uma explicação para este recente declínio prende-se com o aumento das descendências de filho único aliado à diminuição dos nascimentos de 3ª ordem ou superior. De facto, a fecundidade portuguesa encerra traços distintivos: a elevada proporção de filho únicos e a incidência marginal de famílias sem filhos. Portanto, podemos afirmar que em Portugal há ainda uma grande propensão para fazer a transição para a parentalidade, mas não para o 2º filho. Este dado parece ligar-se a outra singularidade: o adiamento da transição para o 2º filho, tendência que tem vindo a crescer desde as coortes nascidas nos anos 50. Adiar o 2º filho em vários anos tornou-se um comportamento reprodutivo comum e uma causa para não se realizarem as preferências e as intenções reprodutivas. Mas se este adiamento está no cerne das mudanças recentes, será realista esperar um aumento do childlessness (não ter filhos) enquanto resultado da intensificação do adiamento nas coortes mais jovens, como já acontece noutros países? Em Portugal, este duplo adiamento está já em curso entre aqueles que ainda estão em idade reprodutiva. Como revelou um inquérito nacional recente, para os homens e as mulheres que nasceram entre 1970 e 1975, ter apenas 1 filho passou a ser tão frequente como ter 2 e permanecer sem filhos até perto dos 40 anos não é incomum. Analisar o duplo adiamento implica explorar o hiato de género a nível da fecundidade, i.e., os desfasamentos nos calendários que determinam diferentes intenções e oportunidades reprodutivas. Os homens estão mais empenhados em adiar, especialmente a 1ª transição e têm mais possibilidade de recuperar até perto dos 50 anos. Mas é importante revelar ainda os mecanismos socialmente determinados que engendram cada adiamento, já que quem adia a 1ª transição pertence a franjas sociais muito qualificadas, enquanto quem adia a 2ª faz parte das classes médias-baixas. Este projeto pretende inovar o questionamento sobre as intenções reprodutivas no atual contexto de adiamento e de complexificação das decisões, especificamente em relação às transições para o 1º e o 2º filho em coortes que estão próximas do fim do período reprodutivo. São 2 os objetivos, que serão desenvolvidos no âmbito de uma perspetiva de curso de vida: 1) identificar os mecanismos que engendram os adiamentos e o modo como levam a reequacionar/reajustar as intenções reprodutivas ao longo da vida; 2) apreender os enredos das decisões que levam ao adiamento, bem como os balanços de ganhos/perdas na vida de cada um. Pensar que os processos de decisão apenas ocorrem no quadro de uma relação conjugal estável é uma perspetiva redutora, pois a regulação social que tradicionalmente confinava a sexualidade e a reprodução ao casamento foi afastada (até certo ponto) pela revolução reprodutiva. Mas a investigação acolhe um 3º objetivo transversal aos outros dois: esclarecer se o hiato de género em relação aos calendários da fecundidade, enquanto agente de adiamento nas trajetórias reprodutivas dos casais, pode constituir-se em armadilha de género ao defraudar as intenções reprodutivas de um ou ambos os cônjuges; e se esse mesmo hiato de género, retirado da moldura conjugal, pode dar lugar a diferentes oportunidades para recuperar do adiamento, por exemplo, através da procura de uma companheira mais jovem, no caso de homens, ou de formas alternativas para ter uma criança (reprodução assistida, adoção) no caso das mulheres. A investigação desenvolverá duas abordagens metodológicas: uma qualitativa, baseada em entrevistas em profundidade a homens e a mulheres entre os 35 e os 45 anos, de forma a desvendar como se equacionam as transições para o 1º e o 2º filho em diferentes situações conjugais (só ou em casal); e outra quantitativa, centrada na análise dos dados dos Censos 2011 e 2001, bem como de outras fontes, para retratar as atuais tendências demográficas relativamente ao adiamento, ao childlessness e ao filho único em Portugal, sublinhando as mudanças mais marcantes da última década. Para ir ao encontro dos objetivos esboçados na presente proposta, a equipa de investigação conta com a colaboração de dois bolseiros (um no ICS-UL e outro na Universidade de Évora), assim como a expertise complementar das duas consultoras internacionais: Prof. Maria Rita Testa (Vienna Institute of Demography/Austrian Academy of Sciences) e Prof. Carmen Leccardi (University of Milano-Bicocca).
Projeto O duplo adiamento: as intenções reprodutivas de homens e mulheres depois dos 35 anos - PTDC/CS-SOC/121148/2010 - Financiado pela FCT
Baixa fecundidade; Adiamento; Transições; Perspectiva quantitativa e qualitativa
Vários países europeus chegaram ao século XXI com fecundidades baixas ou muito baixas. Alguns tiveram ligeiros aumentos durante a última década, mas Portugal registou um declínio constante: de 2000 para 2009 o ISF passou de 1.6 para 1.3, atualmente um dos mais baixos da UE. Uma explicação para este recente declínio prende-se com o aumento das descendências de filho único aliado à diminuição dos nascimentos de 3ª ordem ou superior. De facto, a fecundidade portuguesa encerra traços distintivos: a elevada proporção de filho únicos e a incidência marginal de famílias sem filhos. Portanto, podemos afirmar que em Portugal há ainda uma grande propensão para fazer a transição para a parentalidade, mas não para o 2º filho. Este dado parece ligar-se a outra singularidade: o adiamento da transição para o 2º filho, tendência que tem vindo a crescer desde as coortes nascidas nos anos 50. Adiar o 2º filho em vários anos tornou-se um comportamento reprodutivo comum e uma causa para não se realizarem as preferências e as intenções reprodutivas. Mas se este adiamento está no cerne das mudanças recentes, será realista esperar um aumento do childlessness (não ter filhos) enquanto resultado da intensificação do adiamento nas coortes mais jovens, como já acontece noutros países? Em Portugal, este duplo adiamento está já em curso entre aqueles que ainda estão em idade reprodutiva. Como revelou um inquérito nacional recente, para os homens e as mulheres que nasceram entre 1970 e 1975, ter apenas 1 filho passou a ser tão frequente como ter 2 e permanecer sem filhos até perto dos 40 anos não é incomum. Analisar o duplo adiamento implica explorar o hiato de género a nível da fecundidade, i.e., os desfasamentos nos calendários que determinam diferentes intenções e oportunidades reprodutivas. Os homens estão mais empenhados em adiar, especialmente a 1ª transição e têm mais possibilidade de recuperar até perto dos 50 anos. Mas é importante revelar ainda os mecanismos socialmente determinados que engendram cada adiamento, já que quem adia a 1ª transição pertence a franjas sociais muito qualificadas, enquanto quem adia a 2ª faz parte das classes médias-baixas. Este projeto pretende inovar o questionamento sobre as intenções reprodutivas no atual contexto de adiamento e de complexificação das decisões, especificamente em relação às transições para o 1º e o 2º filho em coortes que estão próximas do fim do período reprodutivo. São 2 os objetivos, que serão desenvolvidos no âmbito de uma perspetiva de curso de vida: 1) identificar os mecanismos que engendram os adiamentos e o modo como levam a reequacionar/reajustar as intenções reprodutivas ao longo da vida; 2) apreender os enredos das decisões que levam ao adiamento, bem como os balanços de ganhos/perdas na vida de cada um. Pensar que os processos de decisão apenas ocorrem no quadro de uma relação conjugal estável é uma perspetiva redutora, pois a regulação social que tradicionalmente confinava a sexualidade e a reprodução ao casamento foi afastada (até certo ponto) pela revolução reprodutiva. Mas a investigação acolhe um 3º objetivo transversal aos outros dois: esclarecer se o hiato de género em relação aos calendários da fecundidade, enquanto agente de adiamento nas trajetórias reprodutivas dos casais, pode constituir-se em armadilha de género ao defraudar as intenções reprodutivas de um ou ambos os cônjuges; e se esse mesmo hiato de género, retirado da moldura conjugal, pode dar lugar a diferentes oportunidades para recuperar do adiamento, por exemplo, através da procura de uma companheira mais jovem, no caso de homens, ou de formas alternativas para ter uma criança (reprodução assistida, adoção) no caso das mulheres. A investigação desenvolverá duas abordagens metodológicas: uma qualitativa, baseada em entrevistas em profundidade a homens e a mulheres entre os 35 e os 45 anos, de forma a desvendar como se equacionam as transições para o 1º e o 2º filho em diferentes situações conjugais (só ou em casal); e outra quantitativa, centrada na análise dos dados dos Censos 2011 e 2001, bem como de outras fontes, para retratar as atuais tendências demográficas relativamente ao adiamento, ao childlessness e ao filho único em Portugal, sublinhando as mudanças mais marcantes da última década. Para ir ao encontro dos objetivos esboçados na presente proposta, a equipa de investigação conta com a colaboração de dois bolseiros (um no ICS-UL e outro na Universidade de Évora), assim como a expertise complementar das duas consultoras internacionais: Prof. Maria Rita Testa (Vienna Institute of Demography/Austrian Academy of Sciences) e Prof. Carmen Leccardi (University of Milano-Bicocca).
Projeto O duplo adiamento: as intenções reprodutivas de homens e mulheres depois dos 35 anos - PTDC/CS-SOC/121148/2010 - Financiado pela FCT