O Atlântico Cristão: etnografias de encontros religiosos entre igrejas africanas, brasileiras e portuguesas em Lisboa
O Atlântico Cristão: etnografias de encontros religiosos entre igrejas africanas, brasileiras e portuguesas em Lisboa
Um paradoxo interessante das ditas formas "meridionais" (southern) de Cristianismo é que, enquanto a literatura dos anos sessenta e setenta relacionava as formas emergentes de Cristianismo em contextos coloniais com a opressão colonial, hoje, em tempos pós-coloniais, vemos como a imaginação cristã revelou ser mais inventiva e inovadora do que alguma vez fora durante o colonialismo. Há uma literatura emergente sobre novas formas de Cristianismo em África, América Latina e outros territórios meridionais que associa estes movimentos não só à "resistência" - que era o principal paradigma -como também a processos de globalização, progressão capitalista e padrões de consumo. A globalização do Cristianismo no século XX produziu uma situação interessante onde, como afirmou com notoriedade Philip Jenkins, "o cristão médio de hoje vive no Congo ou no Brasil", ou como explica Grace Davie, a Europa é hoje "a excepção". No entanto, a forma como estas novas formas de Cristianismo afectam as mesmas metrópoles dos antigos impérios de onde originaram encontra-se ainda pouco estudada, e mais ainda em Portugal - apesar deste país ser, em vários sentidos, um paradigma da "meridionalização" religiosa: num contexto onde o catolicismo foi, do ponto de vista histórico, instrumental na definição da própria nação, imigrantes oriundos da África e do Brasil reconfiguraram, ao longo das últimas duas décadas (embora com maior intensidade nos últimos anos) dramaticamente o panorama religioso. Em primeiro lugar, os recém chegados mostram entendimentos inéditos sobre o que é "ser cristão". Em segundo lugar, a igreja católica reage com firmeza a estas novas presenças cristãs, em especial aos novos movimentos com raiz na África e no Brasil - ou, como é igualmente frequente, em ambos os casos. Em terceiro lugar, estas chegadas também redefinem a vertente histórica do protestantismo em Portugal. Estes processos desembocam numa competição aberta, onde o catolicismo luta para se manter atractivo para a sua clientela tradicional e simultaneamente saber receber novos crentes, e onde os protestantes históricos procuram encontrar um novo espaço para si. Se, por um lado, não podemos negar a importância da instituição cristã na promoção de sujeitos coloniais no estrangeiro, também é verdade que está "subjectividade"está a viajar em sentido inverso. Um Cristianismo "meridional" - que no caso específico de Portugal incorpora igrejas nascidas em África e no Brasil - regressa aos lugares de onde originou, frequentemente composta por ex-sujeitos coloniais que são hoje cidadãos pós-coloniais vivendo com uma herança compósita: um Cristianismo global, uma cultura local e uma complexa relação histórica com Portugal e com o outro lado do Atlântico, e uma consciência universalizante de pessoa, humanidade e cidadania. Reconhecer as igrejas cristãs enquanto tais (em vez de relegá-las a categorias obscuras como a de "seitas", "cultos" ou "associações") poderá ser mais importante do que possa parecer na inclusão social dos imigrantes. De facto, a ausência de reconhecimento religioso leva à exclusão religiosa e ao confronto. Isto evidencia-se na história religiosa da Europa desde que Eurípides escreveu As Bacantes: uma religião feminina que se tornou adversária da polis porque lhe fora vedado o acesso à mesma. Também pode levar à procura de outras identidades, tal como aconteceu na América do Norte nos anos 50 do século XX, quando o Islão se tornou uma importante força de formação identitária entre os excluídos - e anteriormente cristãos - afro-americanos. Neste sentido, estudar como os novos cristãos reconfiguram uma instituição tão fundamental para a Europa como o Cristianismo será um exercício necessário, não só para documentar as tendências e padrões religiosos mas também para questionar que lugar é a Europa de hoje em dia. ulgamos que há três regiões ideais para o estudo das interacções entre formas brasileiras, africanas e portuguesas de Cristianismo: Seixal, o centro de Lisboa e Loures. Seixal é ideal por duas razões: em primeiro lugar, porque é o centro da acção dos Padres Scalabrinianos, uma congregação católica com uma acção pastoral dedicada aos imigrantes; em segundo lugar, porque é lugar de convivência de protestantes e católicos africanos e brasileiros. O centro de Lisboa, ao ser o ponto mais multi-étnico do país, assim como um espaço para expressões do protestantismo histórico, é igualmente importante - foram ali identificadas várias igrejas pentecostais e carismáticas. Loures é igualmente importante porque alberga numerosas comunidades mistas (católicos brasileiros, kimbanguistas e outros). Nestes lugares encontramos igualmente expressões de religiões afro-brasileiras (Candomblé, Umbanda) com evidentes associações ao Cristianismo - que serão analisadas neste projecto.
Um paradoxo interessante das ditas formas "meridionais" (southern) de Cristianismo é que, enquanto a literatura dos anos sessenta e setenta relacionava as formas emergentes de Cristianismo em contextos coloniais com a opressão colonial, hoje, em tempos pós-coloniais, vemos como a imaginação cristã revelou ser mais inventiva e inovadora do que alguma vez fora durante o colonialismo. Há uma literatura emergente sobre novas formas de Cristianismo em África, América Latina e outros territórios meridionais que associa estes movimentos não só à "resistência" - que era o principal paradigma -como também a processos de globalização, progressão capitalista e padrões de consumo. A globalização do Cristianismo no século XX produziu uma situação interessante onde, como afirmou com notoriedade Philip Jenkins, "o cristão médio de hoje vive no Congo ou no Brasil", ou como explica Grace Davie, a Europa é hoje "a excepção". No entanto, a forma como estas novas formas de Cristianismo afectam as mesmas metrópoles dos antigos impérios de onde originaram encontra-se ainda pouco estudada, e mais ainda em Portugal - apesar deste país ser, em vários sentidos, um paradigma da "meridionalização" religiosa: num contexto onde o catolicismo foi, do ponto de vista histórico, instrumental na definição da própria nação, imigrantes oriundos da África e do Brasil reconfiguraram, ao longo das últimas duas décadas (embora com maior intensidade nos últimos anos) dramaticamente o panorama religioso. Em primeiro lugar, os recém chegados mostram entendimentos inéditos sobre o que é "ser cristão". Em segundo lugar, a igreja católica reage com firmeza a estas novas presenças cristãs, em especial aos novos movimentos com raiz na África e no Brasil - ou, como é igualmente frequente, em ambos os casos. Em terceiro lugar, estas chegadas também redefinem a vertente histórica do protestantismo em Portugal. Estes processos desembocam numa competição aberta, onde o catolicismo luta para se manter atractivo para a sua clientela tradicional e simultaneamente saber receber novos crentes, e onde os protestantes históricos procuram encontrar um novo espaço para si. Se, por um lado, não podemos negar a importância da instituição cristã na promoção de sujeitos coloniais no estrangeiro, também é verdade que está "subjectividade"está a viajar em sentido inverso. Um Cristianismo "meridional" - que no caso específico de Portugal incorpora igrejas nascidas em África e no Brasil - regressa aos lugares de onde originou, frequentemente composta por ex-sujeitos coloniais que são hoje cidadãos pós-coloniais vivendo com uma herança compósita: um Cristianismo global, uma cultura local e uma complexa relação histórica com Portugal e com o outro lado do Atlântico, e uma consciência universalizante de pessoa, humanidade e cidadania. Reconhecer as igrejas cristãs enquanto tais (em vez de relegá-las a categorias obscuras como a de "seitas", "cultos" ou "associações") poderá ser mais importante do que possa parecer na inclusão social dos imigrantes. De facto, a ausência de reconhecimento religioso leva à exclusão religiosa e ao confronto. Isto evidencia-se na história religiosa da Europa desde que Eurípides escreveu As Bacantes: uma religião feminina que se tornou adversária da polis porque lhe fora vedado o acesso à mesma. Também pode levar à procura de outras identidades, tal como aconteceu na América do Norte nos anos 50 do século XX, quando o Islão se tornou uma importante força de formação identitária entre os excluídos - e anteriormente cristãos - afro-americanos. Neste sentido, estudar como os novos cristãos reconfiguram uma instituição tão fundamental para a Europa como o Cristianismo será um exercício necessário, não só para documentar as tendências e padrões religiosos mas também para questionar que lugar é a Europa de hoje em dia. ulgamos que há três regiões ideais para o estudo das interacções entre formas brasileiras, africanas e portuguesas de Cristianismo: Seixal, o centro de Lisboa e Loures. Seixal é ideal por duas razões: em primeiro lugar, porque é o centro da acção dos Padres Scalabrinianos, uma congregação católica com uma acção pastoral dedicada aos imigrantes; em segundo lugar, porque é lugar de convivência de protestantes e católicos africanos e brasileiros. O centro de Lisboa, ao ser o ponto mais multi-étnico do país, assim como um espaço para expressões do protestantismo histórico, é igualmente importante - foram ali identificadas várias igrejas pentecostais e carismáticas. Loures é igualmente importante porque alberga numerosas comunidades mistas (católicos brasileiros, kimbanguistas e outros). Nestes lugares encontramos igualmente expressões de religiões afro-brasileiras (Candomblé, Umbanda) com evidentes associações ao Cristianismo - que serão analisadas neste projecto.