Homens nas margens: Idade, etnicidade, orientação sexual e trajectórias profissionais na construção de masculinidades não-hegemónicas
Homens nas margens: Idade, etnicidade, orientação sexual e trajectórias profissionais na construção de masculinidades não-hegemónicas
Os homens e a masculinidade têm sido objecto de crescente interesse científico nas últimas décadas. Interesse produzido pelas mudanças massivas na ordem de género, pela crítica feminista de segunda vaga das práticas e cultura de dominação masculina, pelos estudos críticos de desconstrução da singularidade ideológica de um "modo de ser masculino" universalista. A erosão da figura patriarcal fundada no papel tradicional de ganha-pão e na autoridade incontestada sobre as mulheres obriga a uma melhor compreensão da masculinidade contemporânea enquanto conjunto de masculinidades plurais. Contudo, embora seja a pluralidade uma característica central das relações de género, não mais conformadas a modelos monolíticos, ainda existe, como diz Connell (Carrigan, Connell & Lee, 1985), um tipo simbólico ideal que impõe a todas as outras formas de masculinidade (e feminilidade) sentidos sobre a sua respectiva posição e identidade. Assim, a compreensão das relações de género contemporâneas é largamente dependente da compreensão das maneiras através das quais a masculinidade hegemónica opera, não só como processo de dominação de homens sobre mulheres, mas também de alguns homens sobre outros, marginalizados e subordinados. Desenvolvendo uma área de pesquisa ainda pouco explorada em Portugal, a nossa preocupação central é investigar, acompanhando tendências doutros países (Hearn e Pringle, 2006; Pringle et al., 2006), os processos de construção das masculinidades não-hegemónicas nas margens do padrão dominante - o do homem profissionalmente bem-sucedido, fisicamente forte e viril, heterossexual e europeu ("branco" não-racializado). Esta pesquisa centra-se em homens numa diversidade de posições marginalizadas interseccionadas, explorando quatro dimensões da discriminação: idade, etnicidade, orientação sexual e trajectórias laborais (desemprego). Através destas coordenadas, posições potencialmente estigmatizadas são identificadas em Portugal, onde as mudanças na configuração demográfica, com o envelhecimento da população e a presença crescente de indivíduos não-europeus (na sua maioria vindos das ex-colónias portuguesas em África e do Brasil), uma economia globalizada e as exigências para políticas igualitárias da identidade têm trazido novos desafios aos homens e às suas masculinidades. Nas suas vidas, diferentes homens e grupos de homens são confrontados com o hiato entre as normas da masculinidade dominante e as suas próprias práticas e identidades em situações de menor poder. Homens mais velhos lidam com a perda de vigor físico e sexual, acompanhada da retirada da actividade profissional; homens não-europeus, muitas das vezes posicionados na base da hierarquia social, dificilmente possuem as características racializadas do modelo hegemónico; homens homossexuais, subordinados por uma cultura homofóbica, lutam pela legitimidade; homens desempregados de longa-duração vêem-se privados do papel de ganha-pão. Em todos estes casos, princípios chave da discriminação, perpetuando desigualdades, são mobilizados. Nesta pesquisa procuramos responder a três questões centrais. A primeira explora os modos complexos através dos quais homens em posições não-hegemónicas constroem identidades e práticas, nas suas vidas privadas e públicas, por referência às normas do poder, sucesso e virilidade masculinas. Em segundo lugar, procuramos compreender até que ponto estes homens podem contribuir para a redefinição das características da masculinidade hegemónica. Estão as masculinidades a tornarem-se mais plurais em termos igualitários, ou existem ainda fortes mecanismos de marginalização das posições não-hegemónicas? Finalmente, é importante analisar as relações de poder entre homens e mulheres e as maneiras como mudanças nas masculinidades podem redefinir as feminilidades. Metodologicamente esta investigação adopta uma perspectiva baseada no conceito de interseccionalidade, que, mais do que categorizações binárias, privilegia as relações mutuamente constitutivas das identidades sociais, examinando os modos através dos quais categorias sociais diversificadas interagem a múltiplos níveis. Adicionalmente aos critérios de selecção de quatro grupos de homens não-hegemónicos, a diversidade de classe social e trajectórias biográficas é igualmente tida como fundamental. Levaremos assim a cabo uma pesquisa qualitativa através de entrevistas em profundidade e análise de grupos focais com homens mais velhos reformados (mais de 65 anos), homens de países africanos e do Brasil, homens homossexuais e homens desempregados entre os 30 e os 50 anos de idade. Para cada grupo será construída uma amostra de 15 a 20 indivíduos vivendo em Lisboa e tendo diferentes posições de classe.
Masculinidades; Hegemonia; Género; Interseccionalidade
Os homens e a masculinidade têm sido objecto de crescente interesse científico nas últimas décadas. Interesse produzido pelas mudanças massivas na ordem de género, pela crítica feminista de segunda vaga das práticas e cultura de dominação masculina, pelos estudos críticos de desconstrução da singularidade ideológica de um "modo de ser masculino" universalista. A erosão da figura patriarcal fundada no papel tradicional de ganha-pão e na autoridade incontestada sobre as mulheres obriga a uma melhor compreensão da masculinidade contemporânea enquanto conjunto de masculinidades plurais. Contudo, embora seja a pluralidade uma característica central das relações de género, não mais conformadas a modelos monolíticos, ainda existe, como diz Connell (Carrigan, Connell & Lee, 1985), um tipo simbólico ideal que impõe a todas as outras formas de masculinidade (e feminilidade) sentidos sobre a sua respectiva posição e identidade. Assim, a compreensão das relações de género contemporâneas é largamente dependente da compreensão das maneiras através das quais a masculinidade hegemónica opera, não só como processo de dominação de homens sobre mulheres, mas também de alguns homens sobre outros, marginalizados e subordinados. Desenvolvendo uma área de pesquisa ainda pouco explorada em Portugal, a nossa preocupação central é investigar, acompanhando tendências doutros países (Hearn e Pringle, 2006; Pringle et al., 2006), os processos de construção das masculinidades não-hegemónicas nas margens do padrão dominante - o do homem profissionalmente bem-sucedido, fisicamente forte e viril, heterossexual e europeu ("branco" não-racializado). Esta pesquisa centra-se em homens numa diversidade de posições marginalizadas interseccionadas, explorando quatro dimensões da discriminação: idade, etnicidade, orientação sexual e trajectórias laborais (desemprego). Através destas coordenadas, posições potencialmente estigmatizadas são identificadas em Portugal, onde as mudanças na configuração demográfica, com o envelhecimento da população e a presença crescente de indivíduos não-europeus (na sua maioria vindos das ex-colónias portuguesas em África e do Brasil), uma economia globalizada e as exigências para políticas igualitárias da identidade têm trazido novos desafios aos homens e às suas masculinidades. Nas suas vidas, diferentes homens e grupos de homens são confrontados com o hiato entre as normas da masculinidade dominante e as suas próprias práticas e identidades em situações de menor poder. Homens mais velhos lidam com a perda de vigor físico e sexual, acompanhada da retirada da actividade profissional; homens não-europeus, muitas das vezes posicionados na base da hierarquia social, dificilmente possuem as características racializadas do modelo hegemónico; homens homossexuais, subordinados por uma cultura homofóbica, lutam pela legitimidade; homens desempregados de longa-duração vêem-se privados do papel de ganha-pão. Em todos estes casos, princípios chave da discriminação, perpetuando desigualdades, são mobilizados. Nesta pesquisa procuramos responder a três questões centrais. A primeira explora os modos complexos através dos quais homens em posições não-hegemónicas constroem identidades e práticas, nas suas vidas privadas e públicas, por referência às normas do poder, sucesso e virilidade masculinas. Em segundo lugar, procuramos compreender até que ponto estes homens podem contribuir para a redefinição das características da masculinidade hegemónica. Estão as masculinidades a tornarem-se mais plurais em termos igualitários, ou existem ainda fortes mecanismos de marginalização das posições não-hegemónicas? Finalmente, é importante analisar as relações de poder entre homens e mulheres e as maneiras como mudanças nas masculinidades podem redefinir as feminilidades. Metodologicamente esta investigação adopta uma perspectiva baseada no conceito de interseccionalidade, que, mais do que categorizações binárias, privilegia as relações mutuamente constitutivas das identidades sociais, examinando os modos através dos quais categorias sociais diversificadas interagem a múltiplos níveis. Adicionalmente aos critérios de selecção de quatro grupos de homens não-hegemónicos, a diversidade de classe social e trajectórias biográficas é igualmente tida como fundamental. Levaremos assim a cabo uma pesquisa qualitativa através de entrevistas em profundidade e análise de grupos focais com homens mais velhos reformados (mais de 65 anos), homens de países africanos e do Brasil, homens homossexuais e homens desempregados entre os 30 e os 50 anos de idade. Para cada grupo será construída uma amostra de 15 a 20 indivíduos vivendo em Lisboa e tendo diferentes posições de classe.