AGRICULTURA DEPOIS DA II GUERRA. Um estado da questão <p>Existe uma extensa bibliografia dedicada à avaliação dos percursos da agricultura e da sociedade rural em Portugal entre os anos 50 e 80. Nesse período, e posteriormente, autores com diversas formações científicas (agrónomos, sociólogos, antropólogos, geógrafos, economistas e historiadores) dedicaram-se a estudar estas temáticas. Procederam tanto à realização de análises localizadas - privilegiando mais as sociedades camponesas do que o sistema latifundiário -, como à produção de estudos acerca das tendências da evolução macroeconómica das várias componentes do sector agrícola . Poderemos dizer, correndo o risco de excessiva simplificação, que a principal ideia que atravessa grande parte desta literatura é a de que a agricultura nacional perdeu a oportunidade de sair de um atraso antigo, durante a era de ouro do crescimento económico europeu e português.</p><p>Nas décadas de 50 e 60, a aplicação das inovações científicas, tecnológicas e organizativas com origem nos Estados Unidos da América foi induzindo, na Europa Ocidental e um pouco por todo o mundo, a passagem de uma agricultura dependente de energia orgânica para outra assente em energia fóssil. A modernização da agricultura passou a ser sinónimo de crescente dependência dos mercados de inputs (sementes e efectivos pecuários melhorados, novos produtos fertilizantes e fitossanitários, maquinaria mais variada e versátil) e de outputs e a ser associada ao alargamento das áreas irrigadas e à especialização produtiva (Scott, 1998; Servolin, 1989). Combinados de diferentes formas eram estes factores de produção que possibilitariam o aumento da produtividade da terra e do trabalho. </p><p>Em Portugal, apesar do regime ditatorial, as transformações que estavam a ocorrer nas agriculturas dos países avançados terão sido recebidas com actualidade por várias vias. Entre elas as que foram abertas pelo envolvimento das novas gerações de engenheiros e economistas nas negociações e comissões exigidas pelas organizações internacionais surgidas depois da guerra. Nestes anos parecem ter-se tornado mais evidentes as discrepâncias entre o que estaria a ser feito nesses países e o que estava a ocorrer em Portugal . Os sucessos alcançados, desde os primeiros anos da década de 50, nos países da Europa destroçados pela guerra e com uma estrutura fundiária onde predominavam as explorações familiares (a França seria o caso melhor conhecido) tornaram-se exemplares. Para alguns dos agrónomos portugueses era mais uma prova das oportunidades oferecidas pela agronomia para intervir nos ecossistemas, potenciando também mudanças económicas e sociais . É no contexto das profundas transformações que atravessaram a Europa na segunda metade do século XX, e especificamente a agricultura e a sociedade rural, que se inserem as propostas e as actividades protagonizadas pelo Centro de Estudos de Economia Agrária. </p><p>Durante a ditadura estes agrónomos fizeram parte das elites modernizadoras que se mantiveram atentas às oportunidades políticas que pudessem levar à aplicação das soluções que consideravam mais adequadas ao caso português . Entre todos, o magno problema que urgia resolver era o da pesada herança de uma estrutura fundiária desequilibrada. Tornava-se necessário que o Estado não só promulgasse, mas que também viabilizasse, a aplicação das medidas que consolidassem as explorações familiares: emparcelando as pequenas explorações do Norte e dividindo os latifúndios do Sul. Estas eram soluções com tradição no pensamento económico português , agora reactualizadas pelo melhor conhecimento de outras agriculturas europeias e pelos resultados dos estudos de economia agrária realizados recorrendo a metodologias internacionalmente testadas . Ainda que não ignorassem o peso ideológico da reforma agrária , alguns agrónomos e economistas apresentavam o problema como essencialmente técnico e económico e, finalmente, social. Uma vez que o processo de industrialização da agricultura exigia a intensificação da exploração dos recursos naturais, eram as médias explorações que permitiam a aplicação mais eficiente dos factores de produção. Esta era uma condição essencial para fazer crescer o Produto Agrícola Bruto. </p><p>Ao longo dos anos 60, os autores que prestavam mais atenção ao comportamento económico da agricultura percebiam que a evolução do PAB estava a tornar-se preocupante . Como advertem, por exemplo, dois investigadores do CEEA, o economista Monteiro Alves e o agrónomo Gomes da Silva, a estagnação do PAB «terá a maior ou menor prazo graves consequências para o crescimento económico nacional» (1965: 7). No final dessa década, numa obra que se tornou clássica, Pereira de Moura reafirma que, sem uma reestruturação fundiária, a agricultura estava a tornar-se um travão do crescimento económico propulsionado pela indústria e um indutor da inflação, dando um contributo negativo para o crescimento global da economia . </p><p>Numa época em que se acreditava que a agronomia poderia domesticar a natureza (Baptista, 2001), os agrónomos admitem facilmente que é possível adaptar ecossistemas adversos às necessidades das culturas mais procuradas pelo mercado. Existiria, assim, uma parte do território que poderia ser reconvertida para agricultura intensiva, reduzindo o peso deste reconhecido entrave à modernização . Consideram que a qualidade dos recursos humanos é um problema que seria resolvido com mais vulgarização e assistência técnica. A quantidade da mão-de-obra não seria tão problemática, uma vez que se tornaria necessária à construção de infraestruturas e à intensificação cultural exigida pelo regadio. As atenções viravam-se para o Estado e, com o decorrer dos anos, as críticas também (Caldas, 1978). </p><p>Nos anos 60 e início dos anos 70, o Estado português era uma das últimas ditaduras sobreviventes na Europa das democracias. As críticas às opções governativas e ao funcionamento dos serviços públicos poderiam facilmente assumir conotações políticas de oposição ao regime. A situação tornava-se ainda mais complexa quando era conhecido que, à semelhança do que acorria nos regimes democráticos, o Estado franquista estava a ter um papel importante na modernização da agricultura espanhola (Mesonada, 1989). Depois da Revolução de 1974, alguns dos agrónomos que tinham defendido a modernização empenharam-se activamente em promover mudanças no sector primário. </p><p> Desde os anos 70 que os Cientistas Sociais têm procurado esclarecer os factores que influenciaram os percursos da agricultura e da sociedade rural em Portugal na segunda metade do século XX. Apesar de ainda não existir consenso quanto às causas e consequências desses percursos e de se desconhecerem vários aspectos, os estudos publicados apontam em três perspectivas. Primeira, apresentam o papel do Estado como central. Entre outras, devido às seguintes razões: não promoveu «políticas dinâmicas» (Cabral, 1986) que conduzissem às transformações estruturais e ao aumento da produtividade da terra; manteve políticas de preços e de protecção a certas culturas que dificultaram as mudanças (Rosas, 1994; Baptista 1993). Ainda que, como refere Lains (2003:179), algumas destas interpretações careçam de ser validadas, apontam para a grande importância do Estado nos destinos da agricultura e dos territórios rurais. Averiguar como é que os Estados agiram e quais foram as implicações dessas acções no sector primário são algumas das questões actuais da historiografia europeia. </p><p>Segunda, indicam que o comportamento do sector participa de algumas das tendências que atravessaram os países congéneres. Uma é a crescente concentração de propriedade e um reforço das médias propriedades (Cabral, 1978). Esta é uma questão que, tendo em conta o destaque merecido ao longo da História nacional, terá de ser relacionada com outros indicadores. Um dos quais deverá ser a constatação de que houve mudança tecnológica (Baptista, 1996). Outro poderá ser a alteração verificada na evolução do padrão produtivo agro-florestal durante o mesmo período (Rolo, 1996). Não será possível afirmar que nos campos portugueses ocorreu uma revolução técnica e social sem precedentes, como estava a decorrer nos campos franceses nas décadas de 50 e 60 (Jollivet, Mendras, 1971). Todavia, no conjunto, há sinais, reforçados pelos dados apresentados por outros investigadores (Baptista, 1993; Cabral, 1978, 1986; Rosas, 1994), que sugerem que o modelo de modernização da agricultura defendido entre as décadas de 50 e 80 teve alguma aplicação. Estabelecendo comparações com outros países e regiões poder-se-ão identificar os itinerários e os ritmos destas mudanças.</p>A terceira é a confirmação recente de que durante a segunda metade do século XX o sector agrícola viveu em «quase completa estagnação» (Soares, 2005:163). A agricultura não acompanhou a performance da economia portuguesa que, nas décadas de 50 e 60, teve um crescimento superior à média do registado nas economias dos países industrializados da Europa (Lains, 2003). Este panorama contrasta com o que se verificou na primeira metade do século XX (Lains, 2004; Soares, 2005) e também com o que ocorreu no século anterior (Reis, 1992, 1993). Compreender o que aconteceu ao sector primário durante estas décadas continua a ser uma das questões fulcrais da historiografia contemporânea.